Quando tinha cinco anos, eu chorava todo dia na porta da frente da escola, com a certeza de que dessa vez – dessa vez – minha mãe tinha morrido no caminho para me buscar, ou então fugido para bem longe. A professora já não sabia mais o que fazer, todo dia isso acontecia. Enquanto eu assistia meus amiguinhos irem embora para o conforto das suas casas, entrando nos carros de seus respectivos papais e mamães, eu sentia cada vez mais medo de que minha hora nunca chegaria. Não era só um chororô de criança mimada, era a sensação de que meu mundo estava acabando naquele momento. Era a consciência esquisita de que tudo ia acabar um dia, e que talvez esse dia tenha chegado, e que agora era minha hora de sofrer. Era ansiedade, todo dia. As mãos trêmulas e suadas, a visão desfocada, a boca seca, a respiração acelerada; eu mal conseguia contar até dez direito.
Eventualmente minha mãe sempre vinha me buscar, e eu esquecia disso tudo até o dia seguinte. E por mais que o lado racional do meu cérebro de cinco anos de idade já soubesse que as chances de ela simplesmente estar atrasada eram bem maiores do que as chances de um acidente catastrófico, eu nunca me dava por convencida. E se dessa vez fosse real? “Todo dia algo novo pode acontecer”, eu pensava, e não com o fascínio de uma criança descobrindo o mundo, mas com medo, muito medo.
A ansiedade pra mim, afinal, sempre esteve atrelada com o meu medo de não saber o que vai acontecer. Dez anos mais tarde, eu descobriria na terapia que essa é minha forma de tentar controlar as coisas que na verdade nunca vou possuir controle algum, e de tentar me preparar pra todas as possíveis coisas ruins que podem acontecer. Se eu conseguir prever o futuro, talvez eu não chore tanto quando eu chegar lá. Eu não sou nenhuma Raven (na verdade, como a gente vê no fim de todo episódio, nem mesmo ela consegue determinar o próprio destino), e é claro que as crises de pânico nunca funcionaram a meu favor. Elas não me tornavam mais preparada; na verdade, eu me sentia ainda mais vulnerável, ainda mais impotente, ainda mais insegura.
Conforme fui crescendo e entrando na pré-adolescência, minha ansiedade deixou de acontecer exclusivamente em momentos especificamente assustadores para acontecer também em qualquer coisinha pequena do dia a dia. Me arrumar para a escola, sentar na carteira, pensar em levantar a mão pra perguntar alguma coisa, descer para o recreio, tentar conversar com as amigas, esperar o último sinal bater. Ao fim do dia eu chegava exausta em casa, como se tivesse completado uma maratona. Eu não contava pra ninguém, porque lá no fundo eu também achava que era tudo bobagem, e que se eu contasse me achariam idiota (outro motivo pra ficar ansiosa). Às vezes a ansiedade pode assumir essa ambiguidade pra gente, de uma coisa que tem o tamanho do mundo pra nós, mas que ao mesmo tempo também sabemos que é tão boba perto dos “problemas de verdade”.
Quando eu estava na adolescência e meus medos passaram a tomar a forma de meninas bonitas que tinham coisas ruins a dizer sobre mim, e meninos espinhentos que faziam piada sobre tudo, minha ansiedade piorou. Foi o momento que também me apropriei dela. “Que se dane que esses problemas são bobos, eles são os meus problemas.” Eu comecei a procurar conforto em livros e músicas, em personagens de meninas que diziam o que eu sentia (como a Cecilia Lisbon, em As virgens suicidas, que diz ao seu médico que “obviamente, você não sabe o que é ser uma garota de treze anos”). Meu papel de parede era uma foto da Fiona Apple usando uma armadura em um metrô, porque era exatamente assim que eu me sentia.
Eu li uma vez no Tumblr uma citação supostamente do Albert Einstein (eu nunca sei se acredito ou não nessas fontes) que “a definição de uma pessoa louca é: alguém que faz a mesma coisa de novo e de novo, esperando resultados diferentes”. Eu não quero dizer que uma pessoa que tenha um distúrbio de ansiedade seja “louca”, um termo que por si só é bastante questionável. Mas, naquele momento, me senti atingida: colocada em uma definição tão simples assim, parecia que qualquer pessoa, até eu, minha mãe ou minhas amigas, podia se identificar. Para mim, ansiedade tem tudo a ver com repetição: a consciência de que aquele sentimento familiar está se aproximando de novo, e que eu vou sentir todo aquele desconforto que eu já conheço tão bem, mais uma vez.
Quando comecei a fazer terapia, passei a encarar minha ansiedade de frente em vez de simplesmente deixar ela me consumir. É importante se fazer perguntas nesses momentos: existe mesmo um motivo plausível pra eu estar desse jeito? Existe alguma maneira que eu possa resolver essa situação? É alguma coisa que está fora do meu alcance? É importante saber manter os pés no chão porque, às vezes, a ansiedade pode fazer as coisas mais absurdas, dignas de um filme de suspense ou fantasia, parecerem reais, e a verdade é que a vida tem enredos muito mais complexos que o de um filme da sessão da tarde. Começo a compreender que eu não posso controlar tudo, e que tudo bem. Eu não preciso gastar energia (física e emocional) com as coisas que não controlo.
Eu não diria que estou completamente curada da minha ansiedade. Talvez eu nunca esteja, porque talvez ela seja parte de mim, e isso é OK também. Não sinto mais tanto medo, e sei que posso lidar com isso. Às vezes, ela pode até ser útil: as coisas com que nos preocupamos dizem muito sobre a gente.
Esses dias eu assisti novamente um dos meus vídeos favoritos de slam poetry, chamado Anxiety Group, da Catalina Ferro. Ela fala sobre como nós, os ansiosos, temos lá no fundo uma vontade excruciante de viver. “Porque não tem como você ter tanto medo de perder tudo se você não amar tudo primeiro; porque você tem que ter uma esperança esmagadora de que as coisas vão ficar melhores, pra ter tanto medo de que você não vai estar lá pra ver isso acontecer”. Existe muita energia concentrada na ansiedade. Eu acredito que é essencial aprender a canalizar essa energia a nosso favor, convertê-la em algo que de fato vai nos ajudar a aproveitar mais as nossas vidas. Todos nós, e especialmente nós, mulheres, temos uma capacidade de resiliência e sobrevivência muito maior do que imaginamos. Agora, respire bem fundo. <3
Ilustradora e designer gráfica, apaixonada por todo tipo de experimentação de narrativas visuais. Ainda está se adaptando à sua forma física.
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