Outro dia conversava com amigos – todos homens – sobre dois filmes que estavam concorrendo a diversas premiações. Um era O Regresso (The Revenant, 2015) e o outro Brooklyn (2015). O primeiro conta a história de um homem que após ser atacado por um urso e traído pelos seus companheiros de viagem, precisa lutar para sobreviver na floresta no meio de um inverno rígido. O segundo conta a história de uma menina irlandesa que migra sozinha para os EUA no final dos anos quarenta. A grande discussão era que eu não senti absolutamente nada além de tédio vendo o primeiro filme. Não tiro o mérito técnico do filme, realmente é muito bem feito, mas pra mim, é mais um homem branco tentando sobreviver, e já vi tantos. Homem branco tentando sobreviver no mar, no fogo, em Marte, já deu pra mim. Enquanto o outro eu amei, chorei do início ao fim. Falou demais comigo esse filme. Meus colegas não aceitavam isso, Regresso era o melhor filme do ano e pronto, Brooklyn não deveria nem ter sido indicado. Depois de quebrar diversos argumentos deles, finalmente me falaram por que Brooklyn era tão inferior: é por ser filme de mulherzinha.
Essa discussão me fez pensar muito sobre esse tipo de filme. Dramas centrados em mulheres ou até mesmo as famosas comédias românticas, obras que visam o público feminino, assim como tudo que é destinado à gente ou faz parte do nosso universo é considerado inferior. Parei para pensar nos grandes filmes que são considerados clássicos do cinema ou até nos filmes recentes que ganharam premiações e são considerados “grandes filmes” e a maioria esmagadora, passa longe de ser destinado a mulheres. A maioria esmagadora é centrada em homens e suas histórias, nós mulheres estamos ali só para acompanhar e no máximo ajudar eles a alcançarem seus objetivos. Esses são filmes “sérios”. Nossas histórias são besteiras, são filmes de mulherzinha. Pegue um diretor como Woody Allen, por exemplo. Seus filmes são bem concentrados no diálogo e ele fala até bastante de amor, fez filmes como Noivo neurótico, noiva nervosa (Annie Hall, 1977), Manhattan (1979), Tudo pode dar certo (Whatever Works, 2009), mas na maioria das vezes o ponto de vista é masculino, com um personagem principal homem. Ele (Allen) é considerado um gênio, um mestre do cinema. Agora uma diretora como Nora Ephron, que também fazia filmes muito concentrados em diálogos, que também falava de amor, como Sintonia do Amor (Sleepsless in Seattle, 1993) e Harry e Sally – Feitos um para o outro (When Harry Met Sally, 1989), esses são filmes de mulherzinha, esses não são tão grandiosos quanto os do Woody Allen, por quê?
Voltando ao Brooklyn: li uma crítica feita por um jornalista homem que detonava o filme e basicamente resumia o filme a uma garotinha que quando acha um namorado fica tudo bem e que seu maior desafio é escolher entre dois amores e como isso era pequeno e não valia a pena ser visto no cinema. Primeiro que Brooklyn é muito mais que isso, o filme é sobre amadurecer, sobre quando crescemos precisamos fazer escolhas e lidar com o fato de quando escolhemos algo, inevitavelmente, estamos abrindo mão de outra coisa e que isso causa um sofrimento e uma angústia muito forte. Será que se fosse um homem passando por tudo isso que ela passa, o jornalista conseguira enxergar essa complexidade? Tendo a achar que sim. Segundo que, mesmo se o filme fosse só ela sofrendo as idas e vindas do amor, por que assistir a mulheres lidando com amores, felicidades e sofrimento relacionados a isso é tão menos importante do que ver homens sobrevivendo na selva?
Quando eu vi o filme 500 dias com ela (500 Days of Summer, 2009), fiquei bem irritada e não sabia exatamente o porquê. O filme é uma comédia romântica que conta a história de um rapaz que se apaixona por uma menina que não acredita em amor e como os dois lidam com essa situação. Temos aqui uma troca de papel de gêneros que estamos acostumados a ver no cinema, que é até interessante. Aqui temos o homem super apaixonado e a mulher não; a mulher não curtindo ter relacionamentos, não sabendo lidar com isso direito. Além da personagem feminina ser uma clássica manic-pixie-dream-girl, descobri o que me irritava: esse filme é considerado “cool”, não é como uma comédia romântica comum, ele é interessante, porque é o homem que está sofrendo por amor e, de repente, quando o homem tem que lidar com isso o filme fica interessante e merece ser comentado. Esse não é o único filme faz isso. Posso citar vários, a maioria são considerados filmes “indie”, sensíveis e estão em festivais como o Sundance e outros. Não tiro a validade deles e até gosto da maioria, só questiono por que as comédias românticas clássicas com mulheres sofrendo e vivendo por amor não estão nesses festivais. Isso me faz pensar também como é um reflexo da vida real. Quando vemos um homem passando por um término difícil, sofrendo ou tendo que lidar com uma rejeição como ele é sensível e como ela foi uma idiota por ter dispensado ele, já quando é uma mulher tendo que lidar com a mesma coisa, ela é uma maluca que está com raiva, ou coitada, ela é uma desesperada que não para de correr atrás de homem, tem que superar logo. E como esse julgamento diferenciado às vezes faz com que nós mulheres escondamos nossos sentimentos, algo que só nos faz mal.
Não quero com esse texto fazer todo mundo amar comédias românticas e filmes de mulherzinha. Entendo também como todos esses filmes podem ser problemáticos, começando pela imensa falta de representatividade, porque só falamos aqui de casais héteros e mulheres brancas, magras e cis. O mundo das mulheres não gira somente em torno dos homens e de amores, tem muito mais a ser explorado e grande parte desses filmes deixam de ir mais a fundo e ficam na superfície. O que eu quero é não cair mais nesse falso julgamento de que para ser um grande filme sério e com méritos a história tem que ser centrada em um homem. Precisamos olhar para os filmes que tratam do mundo feminino com outros olhos. Dando a mesma importância e valor que damos aos outros. Precisamos principalmente incentivar mulheres a entrarem nesse clube do Bolinha que é o cinema e deixar elas se tornarem roteiristas e diretoras, para elas poderem contar as nossas histórias.
Dani Feno, 26 anos. Quando era criança foi ao cinema ver Rei Leão a primeira vez e se apaixonou por essa coisa de ver filmes. Mais velha viu um seriado chamado Clarissa e pronto, a paixão passou para seriados também. Foi tão forte que agora trabalha em uma finalizadora de filmes e programas de TV, mas o que gosta mesmo é de editar vídeos para Capitolina. Gorda e feminista desde criança também (apesar de só saber que é esse o nome há pouco tempo). Acha que a melhor banda do universo é Arcade Fire e pode ficar horas te convencendo disso. Em Hogwarts é 70% Corvinal e 30% Grifinória.
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