Nós sempre aprendemos que existem tipos diferentes de amor, e que tipos diferentes de amor fazem parte de tipos diferentes de relação. Aprendemos que há o amor que você sente pelos seus amigos e o amor que você sente pela pessoa com quem quer se relacionar romanticamente (e nesse “romance” costuma estar implícito o aspecto sexual), e que esses dois amores e esses dois relacionamentos são necessariamente diferentes. Algumas formas de demonstrar afeto são reservadas para as pessoas com quem você se relaciona romântica/sexualmente, e são consideradas fora dos limites da amizade. Mas, como pessoas e relacionamentos não são tão bem enquadrados assim, existe toda uma gama de relacionamentos que cai na área meio confusa entre essas duas categorias, seja porque são amizades com componente sexual, mas não romântico (as famosas “amizades coloridas”) ou porque são amizades com componente tradicionalmente romântico, mas não sexual. E é esse segundo tipo – as amizades românticas – que me interessa aqui e agora, exatamente porque costuma ser ignorado pelas pessoas.
Definir amizade romântica é meio difícil. A definição tradicional (que tá na página da wikipédia sobre o assunto, inclusive) é de que é uma relação de amizade com muita proximidade física, mas sem componente sexual, mas essa definição é complicada porque: 1. exclui pessoas assexuais (já que suas relações, mesmo românticas, não têm componente sexual); 2. iguala o componente romântico ao componente físico, e todo o mundo que já se apaixonou sabe que o sentimento não passa só pela vontade de beijar alguém. Então minha definição é a seguinte: uma amizade romântica é uma relação de amizade, mas com uma camada extra de sentimento; é uma amizade com um componente de carinho físico, mas não sexual; é uma amizade em que o afeto é demonstrado de formas que normalmente reservam para relacionamentos tradicionalmente românticos; é, como uma amiga definiu em uma conversa recentemente, “aquela amizade em que você às vezes quer beijar a pessoa não porque se sente atraída por ela, mas porque acha ela incrível”; é quando você sente que sua alma gêmea (ou uma de suas almas gêmeas) é aquela pessoa, mesmo que não queira ter um relacionamento tradicional com ela.
Na adolescência, esse tipo de amizade é bastante comum. Muitas garotas têm melhores amigas com quem se relacionam desse jeito, com quem dividem, por exemplo, aqueles colares de amizade, em que cada uma fica com uma metade, e que são sinais de compromisso da mesma forma que anéis em relacionamentos românticos. Mas às vezes manter esse tipo de amizade é complicado: pessoas no colégio começam a encher o saco, dizendo que as pessoas envolvidas são na verdade um casal (quando as pessoas envolvidas são do mesmo gênero, isso muitas vezes, infelizmente, leva a bullying); relacionamentos tradicionalmente românticos e sexuais entram em jogo, e uma das pessoas envolvidas se afasta porque sente que não pode manter uma amizade romântica quando deve se focar na pessoa com quem se relaciona da forma mais tradicional; sentimentos sexuais entram em jogo também, o que pode gerar confusão (uma das pessoas envolvidas pode querer cruzar a linha para um relacionamento mais tradicionalmente romântico e sexual, por exemplo, ou pode surgir desconforto com a proximidade física). Quando essas coisas entram no caminho, a amizade romântica pode acabar, e esse término costuma parecer muito um término de namoro – é doloroso, é difícil, bate aquela sensação de um pedaço do teu coração sendo arrancado e o desespero por um pote de sorvete. E, de fato, essas amizades acabam, da mesma forma como outras amizades, outros relacionamentos.
Outras vezes, no entanto, essas amizades funcionam – com seus altos e baixos, como qualquer relacionamento –, e só ficam cada vez mais fortes. Tem uns filmes/livros/séries de TV (meus medidores de sentimento mais confiáveis) que estão aí pra mostrar isso! Quer alguns exemplos? Abbi e Ilana, do seriado de comédia Broad City, se referem uma a outra como “my number one” (“minha número um”, a pessoa mais importante); Frances e Sophie, do filme de 2013 Frances Ha, que são “the same person with different hair” (“a mesma pessoa com cabelos diferentes”), dormem juntas depois de ver filmes, e lidam com a distância de passarem a morar separadas; Annie e Lillian, na comédia Bridesmaids, que têm que lidar com ciúmes complexos quando Lillian se casa e, ainda por cima, arranja outra grande amiga; Holy e Marina, do drama Me without you, que crescem, se afastam e se aproximam; Sherlock Holmes e John Watson, em qualquer versão da história, dos livros às séries aos filmes, tão próximos e codependentes que são sempre suspeitados de serem mesmo um casal; Kirk e Spock, da série (e dos subsequentes filmes) de sci-fi Star Trek, cuja amizade confunde tanta gente que eles originaram o slash, um gênero de fanfic (ficção escrita por fãs) que coloca personagens supostamente heterossexuais em relacionamentos homossexuais um com o outro.
E a vida fora da ficção também tem um monte de exemplos pra vocês: Carrie Brownstein e Fred Armisen, criadores e estrelas da série Portlandia, já declararam que não são um sem o outro; Jamie Hince e Alison Mosshart, a dupla de rock The Kills, que comemoram seu aniversário de banda no dia dos namorados; Patrick Stump e Pete Wentz, da banda Fall Out Boy, que veem o outro como “a única pessoa nesse planeta que me entende”; Pete Doherty e Carl Barat, da banda The Libertines, que demonstraram um nível de emoção incontida no show que fizeram no Reading Festival de 2010; todos os garotos da boyband One Direction, com suas demonstrações de afeto físicas constantes, e as tatuagens que combinam; e, numa esfera mais próxima, eu e minha melhor amiga Verônica, que nos vemos todos os dias e ainda sentimos saudades, e usamos anéis de compromisso de Star Wars.
Com esses exemplos todos, acho que dá pra notar que essa área cinza entre amizades e relacionamentos tradicionalmente românticos/sexuais existe, e não precisa ser ignorada e jogada para um ou outro lado do espectro. E que, mais que isso, é uma forma de amor natural e muitas vezes pode dar certo, ser saudável, ser positiva! Se você ama alguém dessa forma, junte-se a mim, à Verônica, e a todas essas amizades românticas que eu listei, e vamos mostrar para o mundo que, ao contrário do que o Facebook acha, “relacionamento sério” não é só aquele entre casais.
Mais referências:
Sofia tem 25 anos, mora no Rio de Janeiro e se formou em Relações Internacionais. É escritora, revisora e tradutora, construindo passo a passo seu próprio império editorial megalomaníaco. Está convencida de que é uma princesa, se inspira mais do que devia em Gossip Girl, e tem dificuldade para diferenciar ficção e realidade. Tem igual aversão a segredos, frustração, injustiça e injeções. É 50% Lufa-Lufa e 50% Sonserina.
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