Na luta para nos pertencer, sermos nós mesmas, uma vida por vezes com a incerteza do que somos. Vivendo em uma sociedade que nos rotula, como em uma linha de produção e nos empilha como latas: em uma grande pirâmide, nós, nas pilhas de latas de baixo.
Nos transformando em mercadoria, fazendo do corpo, uma ferramenta, um mecanismo, para pertencer a tudo, menos a si.
Quando votamos no tema “poder” para o janeiro da Capitolina, logo sugeri que falássemos dessa força dita maior, que sempre senti sobre meus ombros. Obscura e ao mesmo tempo, tão a mostra, um poder que está sempre rodeando nossas vidas e o que somos, está em nós e à nossa volta, quase que algo sobrenatural: o poder do Estado sobre os nossos corpos e vida.
Falo do Estado, falo de suas leis, estruturas e modelos. Falo também dos mecanismos de poder, de suas ferramentas para manter-se como organismo vivo, mas nos arrancar a vida aos poucos. Desta forma, me coloquei a escrever sobre mim e sobre nós, com realidade, mas também poesia: uma menina que sonha simplesmente em ser o que é.
Em que espaço podemos estar? Quando saímos às ruas e palavras e olhares nos esmagam. Nos é negado direitos, de todos os tipos, inclusive de decidir sobre nosso próprio corpo e mente. O Estado sempre nos diz que o espaço público não é para nós.
O que podemos ser? Quando nos é tirada a voz, toda liberdade e pertencer é sempre assunto de outros. As estruturas dominantes estão a todo tempo tentando nos convencer que ser livre não vale a pena.
É muito comum sentir que não nos pertencemos, quando todas nossas individualidades parecem ser ignoradas, quando tabus são entregues a nós junto a formas, para que entremos dentro e fiquemos moldadas.
Ao escutar a história de muitas, uma poesia sobre todas nós:
Um pouco de todas nós
Um pouco dos nossos nós
Muito sobre a nossa liberdade
Não se sente bela
Não sonha em casar
Não quer ter filhos
Disseram a ela que não é uma mulher
Como se menstruar definisse o que somos, chamaram o sangue mensal de “regra”
A mandaram perder alguns quilos
Não quis ter cabelos cumpridos
Quis ter cabelos cumpridos e fez a progressiva
Olhou no espelho e não se encontrou
Ensinaram ela a não se amar
Amou e não foi amada
Ama outra mulher
Não ama ninguém
Aprendeu a se amar
Odeia o que é
Não se enxerga no que vê
Quer apenas poder ser,
ir e vir
poder viver e poder existir
Coloco “entre aspas”, pois é sobre nós
Essa é uma narrativa de muitas, da história de quem nasceu, chorou pelo ar que lhe faltava, como quem grita por algo que quer muito. Ganhou um nome, uma cor de roupa, brinquedos, para quem os pode ter e brincou. Amor e cuidados para quem teve a chance. Algumas cresceram naturalmente, outras tiveram suas etapas violadas. Mergulhamos tantas e tantas vezes faltando o ar, por todas as vezes que quisemos sonhar em ser e não podemos.
— Coloco em travessão pois é também voz
Arranquemos, dia a dia, um pouco do que os moldes deixaram em nós e criemos a silhueta da liberdade, essa, de tão livre, será sem forma. Na crônica da Menina que sonha em se pertencer, ela sonha
Aqui na Capitolina estamos com a campanha #verãodopoder. O que você quer pra esse verão? O que você quer realizar em 2015? Vai esperar acontecer ou vai tomar uma atitude? Está se sentindo poderosa? Vamos à luta! E depois conta pra gente!
Simone Nascimento, 22 anos, Negra, Mulher, Feminista e Umbandista! Ama suas raízes, dos fios da cabeça ao toque do atabaque. Leonina da Terra da Garoa (SP), apesar de amar o sol! Estudante de Jornalismo, formada em Figurino, Estilismo e Coordenação de Moda, — vê a comunicação como um direito e a Indumentária como arte. Militante anticapitalista, quer viver num mundo livre de opressões.