Ser mulher nos dias de hoje pode ser bem complicado: se somos consideradas feias, não temos a atenção do ouvinte; se somos muito bonitas, só podemos ser burras e estar falando bobagem. Nossas capacidades são medidas por quão atraentes ou não somos, segundo o padrão de beleza vigente. É como se não importasse as coisas que fazemos ou quem somos, seremos sempre julgadas pela nossa aparência.
Toda mulher provavelmente tem alguma história para contar em relação a isso. Mas ainda que todas nós passemos por esse julgamento baseado unicamente na nossa aparência, mulheres diferentes passam por problemas diferentes dentro desse grande monstro que é o patriarcado – que não acredita no nosso potencial como mulheres e pessoas.
Meninas magras, mesmo que a magreza seja o padrão, também sofrem com essa vigilância eterna do corpo feminino. Isso nunca vamos negar. Ser magra não é ser imune a comentários alheios sobre aparência, mas mesmo que seja complicado para algumas meninas magras entenderem, ser magra é possuir diversos privilégios que as meninas gordas não têm.
Admitir que, por possuir certas características, algumas mulheres têm privilégios sobre as outras (como, por exemplo, mulheres cis têm privilégios que as mulheres trans não têm – elas não têm seu gênero questionado ou não são vistas com maus olhos ao usarem um banheiro feminino) não é compactuar com esses preconceitos. É, primeiramente, entender que existem outros tipos de vivências e que elas acarretam certas experiências, e é preciso aprender a ouvir e ser solidária.
É muito comum, quando se fala de gordofobia ou sobre mulheres gordas, meninas magras comentarem e dizerem que elas também sofrem por serem magras. Nós nunca vamos negar que pessoas magras também sofram – tanto que o texto é sobre mulheres gordas e começa justamente dizendo que entendemos que as mulheres magras também sofrem -, mas é desonesto querer comparar uma coisa com a outra.
Ainda hoje a palavra ‘gorda’ é vista como um xingamento, ou uma piada. Isso é tão naturalizado que a maioria das pessoas não consegue nem enxergar o quão silenciador e opressivo é falar “olha como estou gorda nessa foto, vou apagar”. É frustrante ser silenciada por “mas eu sempre fui magra e sempre zombaram de mim”. É uma pena que as mulheres tenham relacionamentos horríveis com seus corpos, não desejamos isso a ninguém, mas quando colocamos em pauta nossas vivências e problemas que sofremos queremos ser ouvidas.
Sim, você tem todo o direito de não se sentir bem em uma foto, mas quando uma menina gorda ouve alguém falar isso, imediatamente ela pensa: “Ser gorda é tão horrível que tem que ser deletada mesmo. Eu tenho que ser deletada.” Desassociar a palavra gorda de um xingamento é um dos pontos principais do empoderamento dessas meninas e, pelo menos pra mim, foi o mais difícil. Porque o tempo todo, à minha a volta, eu sou massacrada pelo contrário, o tempo todo eu estou ouvindo amigas falarem ”ai, comi tanto, que gordice” e, se me levanto e falo algo, sempre ouço “mas é uma brincadeira” e “ai, também é difícil pra mim. Eu também sofro com padrões de beleza”. Sim, eu sei que você sofre e é horrível, mas você não sofre o que eu sofro e preciso que você tenha empatia e veja a diferença, para caminharmos juntas.
Parece que falta entender quando é a hora de ouvir e quando é a hora de falar. É justo que eu, enquanto pessoa branca, entre no meio de uma discussão sobre racismo e fale da vez que riram das minhas pernas muito brancas? É tão difícil entender a diferença entra uma coisa e outra?
Ser magra não é fácil pelo fato de que ser mulher não é fácil. Temos nossos corpos monitorados o tempo todo, mas é preciso admitir que sim, existe um privilégio em ser magra. O mundo é feito para pessoas magras. O corpo magro é o corpo que se vê na mídia; os assentos dos ônibus e aviões são pequenos, assim como as catracas. Ser gorda é ter que ouvir de empresário que sua marca não quer esse tipo de roupa porque pessoas gordas não são legais o suficiente para usar suas roupas. O mundo não é feito para pessoas gordas. É importante lembrar também que nesse mundo, o tempo todo, é dito que no caminho para felicidade ser magra está em um dos requisitos básicos.
Quando uma menina gorda se aceita, se ama e é feliz com seu tamanho, ela está “furando a fila da felicidade”, não está seguindo o manual e para muitas outras pessoas isso é um problema, uma injustiça. Afinal, a pessoa está ali tentando se encaixar nos padrões impossíveis de beleza, se esforçando e se abalando diariamente com isso e vem uma fulana, obviamente fora dos padrões, e é feliz. Além de ela ainda querer reivindicar um mundo que aceite ela assim. Ah não! Vamos reclamar, vamos lembrar a ela que isso é um problema e isso não pode. Ela não pode existir desse tamanho, logo, os problemas dela, por ser gorda, também não existem. Vamos silenciá-la pra ela voltar a querer ser magra como todas nós.
Todo esse pensamento, toda essa gordofobia, não acontece conscientemente muitas vezes. Somos criadas em uma sociedade gordofóbica. Somos criadas para achar o corpo gordo feio e indesejável. Somos criadas para olhar uma gorda na capa de uma revista de moda e achar um absurdo, justamente porque somos criadas não vendo uma gorda sendo feliz e aplaudida pela mídia. Somos criadas para policiar a saúde de todas nós que ousamos não querer ser magras, porque é esse o argumento que é apontado o tempo inteiro. Porque é muito curioso uma magra ter glicose alta, mas para uma gorda é normal, é o esperado. Isso tudo está naturalizado dentro da gente e é preciso desconstruir, assim como uma série de outros preconceitos. É por isso que é tão importante ouvir, ter empatia e respeitar o lugar de fala.
Por mais que você se considere livre de preconceitos, não siga o padrão de beleza. Se você não deixa uma amiga gorda falar, se acha que ela está exagerando quando se sente ofendida, você precisa ouvir mais e se desconstruir. Vir dizer em um post onde quer se discutir gordofobia que sofre por ter 1,80m e 50 kg é silenciar todo um grupo. Existe discussão para todo tipo de problema, neste caso, sobre pressão estética.
Se admitir como magra e feliz com seu corpo é uma coisa, se admitir como gorda e feliz é outra. Se você não é capaz de entender isso, é bom revisar seus conceitos.
Natasha Ferla tem 25 anos e se formou em cinema e trabalha principalmente com produção. Gosta de cachorro, comprar livros e de roupas cinza. Gosta também de escrever, de falar sobre o que escreve porque escreve melhor assim. Apesar de amar a Scully de Arquivo X sabe que no fundo é o Mulder.
Dani Feno, 26 anos. Quando era criança foi ao cinema ver Rei Leão a primeira vez e se apaixonou por essa coisa de ver filmes. Mais velha viu um seriado chamado Clarissa e pronto, a paixão passou para seriados também. Foi tão forte que agora trabalha em uma finalizadora de filmes e programas de TV, mas o que gosta mesmo é de editar vídeos para Capitolina. Gorda e feminista desde criança também (apesar de só saber que é esse o nome há pouco tempo). Acha que a melhor banda do universo é Arcade Fire e pode ficar horas te convencendo disso. Em Hogwarts é 70% Corvinal e 30% Grifinória.
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