Um dos meus segredos mais bem guardados é que, em algum momento sombrio do ensino médio, eu tive um blog de moda, daqueles com posts sobre quem usou o que na festa do Oscar ou qual era o esmalte “must have” da temporada. Pra falar a verdade, não é assim tããão bem guardado, já que boa parte dos meus amigos sabe que ele existiu. Mas nunca, nunquinha conseguirão vê-lo. O negócio é que, sendo meio intelectual, meio de esquerda, meio feminista (calma, são três metades que somam um? Dane-se, sou de humanas!), quando o assunto vem à tona em alguma conversa, sempre acabo me desculpando e jogando alguma justificativa do tipo ‘’eu-tinha-quinze-anos-e-não-sabia-o-que-fazia’’, afinal, onde já se viu gostar de moda, essa indústria misógina, cruel e fútil?
Bem, chegou a hora de enfrentar a verdade: eu gosto de moda. Muito. Adoro conversar sobre roupas, folhear editoriais, guardar fotos dos looks de que gostei, descobrir peças que jurava que nunca iria usar (estou falando de vocês, macacões) e sair por aí paquerando vitrines e araras. Gosto de acompanhar semanas de moda, de conhecer o processo criativo dos estilistas e, principalmente, de como uma coisa tão corriqueira quanto roupa, aquilo em que a gente se mete todo dia só pra não sair pelado, pode ter uma riqueza conceitual tão grande quanto qualquer obra de arte.
Mas, ao mesmo tempo, eu não gosto nem um pouquinho de moda. Não gosto de como ela me faz infeliz comigo mesma, de como ela diz que preciso comprar coisas pra ser legal, de como ela padroniza as pessoas. Não gosto de como a mídia que a aborda só mostra garotas muito magras, muito brancas e muito parecidas, que não são nada parecidas comigo ou com minhas amigas, ou de como coloca que a calça preta es-sen-ci-al pro meu guarda-roupas custa apenas 800 reais e ainda faz com que minhas pernas pareçam mais compridas e finas. E odeio acima de tudo como ela é repetidamente usada como ferramenta de exclusão e afirmação de privilégios.
Meus sentimentos andavam todos muito confusos, então achei que era hora de tentar organizá-los.
A palavra “moda” por si só costumava me deixar incomodada, porque sempre achei que fosse algo ditatorial por definição, que representava aquilo que todo mundo deveria seguir em determinado momento, então a trocava por “estilo” ou “vestuário”, que me soavam mais adequadas à ideia de roupa enquanto expressão individual. Mas uma hora resolvi fuçar o dicionário pra ver se confirmava o que vinha pensando e dei de cara com outro significado para ‘’moda’’: “Gosto, maneira ou modo distinto e peculiar de cada um”.
Foi aí que decidi que pararia com os eufemismos e começaria uma apropriação pessoal do termo, com mais jeitinho feminista, para tentar fazer com que essa segunda definição seja mais relevante do que a primeira. Acho que dá para resumir a ideia da coisa toda em alguns itens que eu gosto de chamar de “pequeno guia de como gostar de moda quando você não tem grana, biotipo ou estômago pra acompanhar a Vogue” e que agora divido carinhosamente com vocês:
#1. Existe um mundo de fontes de inspiração aí fora
”Eu só encontrei meu estilo quando entrei na faculdade e comecei a andar com os amigos que ando até hoje. Eles são minhas principais inspirações e referências” foi o que a Julia falou quando conversei com ela sobre esse texto. Isso me deixou pensando sobre como meu próprio estilo é muito mais influenciado por pessoas e veículos que não necessariamente estão fazendo algum tipo de declaração sobre moda. Uma das minhas fontes de inspirações preferidas, por exemplo, são velhinhos e velhinhas que vejo pela rua usando alguma roupa meio maluca, iguais aos desse site incrível. Então, além das revistas e sites especializados (é lógico que não é pecado algum consultá-los), conte também com o que está ao seu redor – amigos, desconhecidos, personagens de ficção – pra ajudar a construir seu banco de referências, e veja sua wish list se tornar muito mais acessível e muito menos padronizada.
#2. Festa à fantasia todo dia
Não sei quem foi o cretino que inventou que suas roupas devem te fazer parecer “respeitável” (seja lá o que isso quer dizer), mas eu adoraria lhe dar um tapa na orelha. Bem, esqueça isso e viva a vida como se fosse um eterno halloween. Sabe o macacão de dinossauro que você acha que só serve de pijama, mas sempre teve vontade de usá-lo em algum rolê? Usa, amiga, se liberta.
#3. Saiba de onde vem o que você usa
O que você compra não surgiu magicamente na prateleira da loja. Suas escolhas de consumo são ferramentas políticas muito poderosas, então é sempre bacana tentar saber a trajetória daquilo que chegou ao seu guarda-roupa: as pessoas que costuraram aquele vestido fofo o fizeram em condições adequadas ou a loja descolada onde ele foi garimpado também usa mão-de-obra escrava? É legal comprar de uma marca que não produz roupas de tamanho grande e não tem modelos negras nos comerciais? A empresa que produz seu hidratante usa recursos naturais de forma alucinada?
Além disso, ninguém precisa de uma peça nova a cada semana e a gente pode muito bem reinventar o que já tem em casa. Brechós e trocas com amigas também são boas alternativas pra fugir de toda essa loucura de consumo.
#4. Faça você mesma
Aprender a costurar foi uma das coisas mais libertadoras que já fiz, de verdade. É uma delícia gastar pouquíssima grana e deixar a roupa do jeitinho que você pensou (ou nem tanto, se você tiver minhas habilidades), planejada especificamente pro seu próprio corpo, sem preocupação com as numerações bizarras das lojas, e ainda poder encher a boca pra dizer “fui eu que fiz” quando alguém falar “que saia legal!”.
Mas como nem todo mundo curte essa trabalheira manual, não é necessário se limitar às suas próprias roupas – você também pode criar sua própria mídia. Experimente escrever um blog, juntar algumas amigas pra criar uma zine ou até mesmo só compartilhar aquela dica esperta de brechó ou seu look do dia no Facebook. Só com isso você já estará fazendo uma coisa incrível pra adicionar variedade ao assunto e deixar todas um pouquinho menos dependentes das vozes que já cansamos de ouvir falando sobre o que pode ou não pode vestir.
#5. É você quem decide o que te cai bem
Eu amo saia midi, aquela que vai até o meio da canela e te deixa parecendo sua avó aos 20 anos. E tenho 1,50m. Portando, segundo praticamente toda matéria “escolha a saia certa para o seu corpo” eu viro um hobbit a cada vez que cometo o pecado mortal de usar uma dessas gracinhas sem ter pernas de dois metros de comprimento. E eu não poderia me importar menos.
O negócio é que o que você veste só tem que agradar a você mesma. Esqueça essa ideia de usar roupas que te “favorecem” – ou seja, que tentam te espremer pra dentro de algo aceitável em relação ao padrão de beleza – e coloque aquilo que te der vontade. Uma coisa que aprendi logo de cara na faculdade é que arte não tem que ser bonita. E suas roupas também não precisam. Quer misturar listras com xadrez apenas porque sim? Vai em frente! Não precisa ser bonito, não precisa te emagrecer, não precisa combinar, não precisa nem mesmo fazer sentido. Divirta-se, experimente: mesmo se você tem um estilo mais ou menos definido, é perfeitamente ok fugir dele e tentar coisas novas.
É isso. Não gostar de moda não te torna uma pessoa pior. Gostar de moda também não. A não ser que você seja completamente sem noção, nenhuma maldição vai te transformar na Miranda Priestly automaticamente só porque dedicou alguns minutos para pensar o look do dia. Então pare de se desculpar e arrase com seja lá o que você resolver usar hoje.
Aos 21 anos, todos vividos na cidade de São Paulo, Laura está, de forma totalmente acidental, chegando ao fim da faculdade de Artes Visuais. Sua vida costuma seguir como uma série de acontecimentos pouco planejados, um pouco porque é assim com a maior parte das vidas, muito por gostar daquela conhecida fala da literatura brasileira, “Ai, que preguiça!”. Gosta também de fotos do José Serra levando susto, mapas, doces muito doces e de momentos "caramba, nunca tinha pensado nisso!". Escreve sobre #modas por aqui, mas jura por todas as deusas que nunca usará expressões como "trendy", "bapho" e "tem-que-ter".
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