Hermione, Luna, Gina, McGonagall, Umbridge, Bellatrix, Lilian, Molly. Os sete livros e oito filmes da saga de Harry Potter têm personagens femininas poderosas aos montes, todas com personalidades definidas e papéis relevantes na narrativa. Mas algumas dessas deusas, loucas e feiticeiras não ganharam muito destaque na trama e acabaram esquecidas até pelos fãs da saga, mesmo tendo histórias fascinantes. Hoje estamos aqui para prestar uma homenagem às garotas esquecidas do mundo bruxo.
Murta Que Geme
Presente em três dos livros da série – Harry Potter e a Câmara Secreta, Harry Potter e o Cálice de Fogo e Harry Potter e o Enigma do Príncipe –, a fantasma Murta Que Geme é fundamental para alguns desenvolvimentos da história, mas mesmo assim é frequentemente desprezada tanto pelos personagens quanto pelos leitores. A primeira vítima fatal de Tom Riddle, o Lord Voldemort, Murta morreu ao ver o basilisco no banheiro, onde estava escondida, chorando, por conta do bullying incessante que sofria no colégio. Após sua morte, continuou assombrando o banheiro e sendo vítima de comentários maldosos das alunas, que evitavam ao máximo sua presença; no entanto, Harry, Rony e Hermione encontraram em Murta uma importante aliada contra o basilisco e durante o Torneio Tribruxo. E Draco Malfoy, em um de seus momentos de maior vulnerabilidade em Enigma do Príncipe, desenvolveu uma amizade com a fantasma, que também desejava companheirismo e compreensão.
Murta é vista como chata e chorona por todos, mas é uma representação bem real de garotas adolescentes que se sentem rejeitadas no ambiente escolar por fugirem dos padrões impostos a elas, e da solidão (e possível depressão) que elas vivem – ela conta que demoraram para encontrar o corpo morto, mais de uma vez dá a entender que a única coisa interessante sobre ela é sua morte trágica, e, em um momento, diz que tinha ido ao banheiro para se matar, até lembrar que já estava morta.
Helena Ravenclaw
Helena Ravenclaw foi a filha da fundadora da casa Corvinal, Rowena Ravenclaw, sendo consequentemente uma das primeiras alunas que Hogwarts teve. Descrita como uma mulher extremamente intelectual, Helena é notória na série por ter roubado o diadema de sua mãe – item que supostamente engrandeceria a inteligência de qualquer pessoa que o usasse – e fugido.
Anos depois, quando Rowena adoece e está prestes a morrer, ela envia o Barão de Sonserina para procurar a filha. A escolha não foi nada aleatória: ele sempre fora apaixonado por Helena, apesar do sentimento não ser correspondido. Quando ele a encontra em uma floresta da Albânia e ela se recusa a acompanhá-lo de volta, ele fica furioso e simplesmente a esfaqueia até a morte. Ao perceber o que tinha acabado de fazer, ele usa a mesma arma para cometer suicídio.
Os dois fantasmas – dele e de Helena – acabam retornando a Hogwarts, ele sob o apelido de Barão Sangrento (sua roupa é manchada pelo sangue de Helena) e ela, de Dama Cinzenta. Além das roupas, o Barão Sangrento também usa correntes como forma de se punir pelo que fez – algo que Helena vê, muito justamente, como nada mais que sua obrigação.
Ariana Dumbledore
Dumbledore é meu personagem favorito de todo o universo Potteriano. Obviamente me identifico com Hermione, morro de amores pelo Lupin e quero caçar narguilés com a Luna, mas nenhum personagem tem tantas dimensões quanto o diretor de Hogwarts. E não me refiro aqui ao arquétipo do mago sábio que eventualmente balbucia uma grande lição de vida disfarçada de frase sem sentido. Falo do homem imaturo cuja vaidade o aproximou de um bruxo com quem compartilhava delírios de grandeza e ódio. Do homem brilhante que aprendeu a converter seu apetite pelo poder numa potência transformadora. E esse arco de redenção só foi possível graças à Ariana, sua irmã.
Harry Potter é recheado de alegorias. A ascensão de Voldemort é análoga à escalada do nazismo, a rejeição aos bruxos mestiços nada mais é do que racismo. Mas talvez nenhuma metáfora seja tão pesada quanto a agressão à Ariana. J.K. Rowling escreve que, com apenas seis anos, a menina foi atacada por um grupo de garotos que a viram praticar magia. O evento a traumatizou permanentemente: Ariana foi deixada com cicatrizes físicas, emocionais e perdeu o controle de suas habilidades. Qualquer semelhança com abusos sexuais sofridos por crianças provavelmente não é mera coincidência. Muitos leitores entendem o que aconteceu com Ariana como uma alegoria para estupro. Num acesso de fúria e desespero, seu pai assassinou os meninos responsáveis pela agressão e foi enviado para Azkaban (a prisão dos bruxos). Sua família se mudou para Godric’s Hollow e passou a escondê-la dos vizinhos para evitar perguntas. Ela é descrita como quieta e gentil, mas incapaz de dominar suas emoções, o que a levava a causar explosões. Numa delas, matou sua mãe.
Dumbledore e Aberforth se tornaram, então, responsáveis pela menina. E nosso amado diretor a ressentia. Ele era jovem, ambicioso, dotado de uma inteligência excepcional, queria a glória que lhe parecia de direito. No entanto, estava preso em Godric’s Hollow com uma adolescente que dependia de sua total dedicação. Foi então que Grindelwald apareceu. No subtexto, entendemos que Dumbledore não só se apaixonou por suas ideias, mas também pelo rapaz. Eles compartilhavam o desprezo pela fraqueza alheia e tinham planos grandiosos de domínio. Um dia, Aberforth os confrontou e um duelo entre os três teve início. Ao tentar impedir os irmãos de se matarem, a doce Ariana acabou atingida por um feitiço fatal cuja origem é desconhecida. Saber que sua cobiça – e talvez sua varinha – havia sido a responsável pela morte da irmã alterou a trajetória de Dumbledore. Ele retornou a Hogwarts como professor para evitar que outros jovens que também tinham o poder como fraqueza cometessem os mesmos erros. Não é à toa que seu maior ensinamento é que uma pessoa é definida por suas escolhas, e não por suas habilidades.
Ariana é importante para a narrativa. Sua morte foi o gatilho para a redenção de um dos maiores bruxos que o mundo mágico já viu. Sem Ariana, o Dumbledore que dedicou sua vida a impedir Voldemort não existiria. Mas é decepcionante que ela seja só isso. Por que personagens femininas e suas tragédias deveria servir apenas como mecanismo para avançar os arcos dos personagens masculinos? Eu amo Dumbledore, mas adoraria conhecer a Ariana que existia além da história de seu irmão.
Mérope Gaunt
E como falar das garotas esquecidas de Harry Potter sem citar a Mérope Gaunt? Para quem não se lembra, ela é a mãe de Tom Marvolo Riddle – também conhecido como Voldemort. Mérope cresceu em um ambiente opressivo, com o pai e o irmão, que a diminuíam por ela ser mulher, constantemente usando termos com “suja” e “aborto” (que, no universo de Harry Potter, significa alguém que é de família bruxa e nasceu sem poderes mágicos); ela era feita de escrava por eles, abusada psicologicamente, porque se achavam superiores por serem descendentes de Salazar Slytherin, um dos fundadores de Hogwarts.
Mérope era apaixonada por um trouxa (não-bruxo) chamado Tom Riddle, que vivia na mesma vila que ela, o que fazia sua família a desprezar mais ainda. Quando seu pai e seu irmão foram mandados para Azkaban, Mérope resolveu dar uma poção do amor para ele que, enfeitiçado, fugiu com ela. Depois de um tempo ela engravidou e, certa de que a essa altura ele já havia se apaixonado, Mérope decidiu então livrá-lo da poção, crente que ele continuaria junto à ela. Porém, Mérope se enganou. Tom voltou para a aldeia, abandonando-a grávida.
Então, ela foi para Londres, grávida e sozinha, levando consigo somente o medalhão de ouro pertencente a Salazar Slytherin, o qual ela vendeu para o dono da Borgin & Burges por apenas 10 galeões. Mérope deu à luz Tom Marvolo Riddle em um orfanato de trouxas, morrendo no parto.
Mérope foi tão traumatizada por todos os anos que viveu sendo tratada como lixo que suas habilidade mágicas eram quase nulas. Quando se viu livre do seu pai e de seu irmão, ela conseguiu voltar a praticar magia mas, quando foi deixada por Tom, seu bloqueio voltou: ela não usou magia nem para salvar a si mesma ou ao filho. Ela não via motivos para continuar vivendo, se enxergava como alguém inferior e que sempre esteve sozinha no mundo. Apesar disso, ela ainda acreditava que seu filho poderia ter uma vida melhor que a dela e, para que isso acontecesse, seria melhor que ele crescesse em um orfanato e não com ela.
Lorena tem 26 anos e mora no Rio, embora tenha crescido nos subúrbios da Internet. Trabalha com análise de roteiros televisivos, avalia manuscritos literários, traduz e revisa obras em inglês e escreve por aí. É igualmente fascinada pelo gracioso e pelo grotesco. Adora filmes de terror, livros de fantasia, arte surrealista e qualquer coisa que não carregue o mínimo semblante de realidade. Tem empatia até por objetos inanimados e queria ser um urso ?•?•?
Sofia tem 25 anos, mora no Rio de Janeiro e se formou em Relações Internacionais. É escritora, revisora e tradutora, construindo passo a passo seu próprio império editorial megalomaníaco. Está convencida de que é uma princesa, se inspira mais do que devia em Gossip Girl, e tem dificuldade para diferenciar ficção e realidade. Tem igual aversão a segredos, frustração, injustiça e injeções. É 50% Lufa-Lufa e 50% Sonserina.
Bárbara Reis tem 18 anos, é paulista e estuda Jornalismo na ECA. Acha que a internet é a melhor coisa que já aconteceu, é fascinada por novas linguagens e tem o péssimo hábito de acumular livros para ler e séries para assistir. O seu pior pesadelo envolveria insetos, agulhas, generalizações, matemática e temperaturas acima de 27ºC.
Marina tem 25 anos, mora em São Paulo, é formada em Audiovisual e cursa Produção Cultural. É apaixonada pela cor amarela, por girassóis e pela Disney. Ouve música o dia inteiro, passa mais tempo do que deveria vendo séries e é viciada em Harry Potter (sua casa é Corvinal, mas reconhece que tem uma parte Lufa-Lufa).
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