Há muito, muito, muito, tempo o homem traçou os seus primeiros desenhos com tinta na pedra; a arte dos homens das cavernas narrava grandes e memoráveis caçadas, danças e rituais. Esses primeiros seres humanos utilizavam um recurso interessantíssimo em seus desenhos, imagens repetidas em sequência que davam uma sensação de movimento e continuidade, uma maneira de se expressar bastante parecida com aquela que você vê hoje em dia ao abrir o jornal na sessão de tirinhas.
Contar histórias com imagens é um hábito bastante antigo entre os humanos. A história em quadrinho como a conhecemos, entretanto, ficou famosa somente em 1895.
Tudo começou com a publicação do primeiro personagem de quadrinhos em tirinhas, o Yellow Kid (Garoto Amarelo), criada por um moço chamado Richard Outcault. Famoso por sua temática política, as historinhas do pequeno menininho chinês mostravam de maneira lúdica o que Nova York tentava esconder: as tensões raciais e o capitalismo na sua essência. O quadrinho estreou nas grandes mídias um novo meio de comunicação ao juntar imagens e texto através de balõezinhos. Yellow Kid permaneceu em circulação por quatro anos e inspirou muitas pessoas a explorarem essa nova maneira de expressão. Desse momento em diante, a produção de quadrinhos degringolou e virou tradição nas páginas dos jornais.
Em 1913, Krazy Kat, criado pelo cartunista americano George Herrimen, começou a aparecer pelas tirinhas dos jornais. Um gato ingênuo e feliz que tinha gênero indeterminado (o autor alternava constantemente em referir ao gato como ele ou ela). O universo de Krazy era poético e surreal. Nas tirinhas, nos acompanhamos seu amor por um rato chamado Ignatz, que o odeia. Uma história bastante à la Tom e Jerry ou à la Coiote e Papa-Léguas. Foi um ponto de virada para a produção de quadrinhos: pela primeira vez, essa forma de contar histórias começou a ser vista como uma forma de arte.
Em 1930, outro grande marco para a evolução do quadrinho como mídia: Tintin dá as caras. Criado pelo quadrinista Hergé (pseudônimo do autor), as histórias do repórter e seu cachorrinho, Milu, foram as primeiras a trazer uma narrativa um pouco mais complexa, próxima a o que nós vemos em romances. Cada aventura era um mistério diferente trabalhado durante a trama. Alguns vícios das tirinhas, porém, foram conservados nas histórias de Tintin. Personagens bastante rasos e previsíveis, por exemplo, ainda tinham uma grande presença na trama e a comédia ainda era um tema bastante trabalhado.
Esse três grandes marcos foram essenciais para construir e estabelecer a forma dos quadrinhos perpetuada até hoje: narrativas complexas construídas por desenhos sequenciais que são acompanhados de balõezinhos e textos curtos.
Mas cadê os super heróis? Ao pensar em histórias em quadrinhos muita gente já vai associando a essa clássica temática. O primeiro quadrinho desse gênero, porém, só foi sair nas bancas em 1938 com o lançamento de Superman (o nosso Super Homem) pela revistinha Action Comics #1. A história desse herói todo mundo conhece, né? Com um nome muito criativo, o quadrinho tratava de um homem querendo fazer justiça com a ajuda de nada mais, nada menos, que os seus super poderes. Indestrutível, o tal super homem só sofria com uma pedrinha verde, a criptônima (que só foi introduzida muitas revistinhas depois). A história do Super Homem ficou tão famosa que até hoje é reconhecida mundialmente. O novo filme do herói foi lançado no cinema ano passado, mas, feliz ou infelizmente, a clássica cuequinha em cima da calça foi tirada do figurino.
Pouco tempo depois, a primeira revistinha da Marvel saiu. Nela, nós conhecemos um novo herói: o Rei Namor. Criado por Bill Everett, esse super herói era um príncipe da cidade naufragada, Atlântida, filho da rainha do reino submarino e de um mortal terrestre, resultando num filho metade homem metade sereia. O seu maior poder era respirar embaixo d’água, força incrível e o poder do voo. Namor fazia parte de um grupo de personagens criados pela Marvel chamado os Invasores que, mais tarde, ia incluir a Tocha Humana, X-Men, Capitão America, os Defensores e os Vingadores. Em plena Segunda Guerra Mundial, essa equipe de super homens lutavam contra os inimigos do Eixo: Alemanha, Itália e Japão.
Somente em 1941, nós vemos a primeira heroína estrear na sua própria revistinha. A Mulher Maravilha é a primeira a alcançar a popularidade de Super Homem e Batman. Criada pelo Dr. William Marston, parte do intuito de produzir essa personagem era mostrar para meninas que as mulheres era igualmente fortes aos homens e para ajudar elas a construírem a sua auto estima e terem auto confiança. A Mulher Maravilha lutava por paz, igualdade e justiça, se tornando um símbolo feminista americano. Era um grande passo para a representação das mulheres nos Estados Unidos, apesar da figura dela não fugir muito do estereotipo perfeito que estava sendo reproduzido em grandes mídias e meios de comunicação: uma mulher de olhos azuis, branca e magra.
A grande saga da indústria de quadrinhos de super heróis parece não acabar mais; essas revistinhas ainda são vendidas até hoje nas bancas de jornais. A história da história em quadrinhos vista somente pelo gêneros dos super heróis é grande e vasta. As duas empresas de comics nos EUA, a Marvel e DC, juntas possuem mais de 500 heróis diferentes. Em 2013, uma pesquisa mostrou que elas ainda dominam grande parte do mercado: 60% das vendas de todos os gêneros de quadrinhos são dessas duas grandes marcas.
Os quadrinhos independentes, aqueles que fugiam da grande supremacia dos super heróis, começaram a surgir somente em 1960. Podemos dizer que a grande “revolução” se deu com os quadrinhos undergrounds de Robert Crumb e Dana. Os dois começaram a vender pequenas fan zines produzidas por eles, a Zap Comix, nas ruas de São Francisco em um carrinho de bebê. A ideia era falar de temas que eram considerados tabus como nudez, sexo, drogas, violência, humor irreverente e política radical. Apesar de outra perspectiva de olhar o quadrinho, os artistas ainda eram majoritariamente homens e muitas das histórias envolviam temas machistas. A resposta foi uma zine criada por mulheres em 1972, a Wimmen’s Comix Collective, criada pela quadrinista Tina Robbins com a participação de mulheres como Pat Moodian, Lee Marrs, Sharon Rudahl e Aline Kominsky. Os temas explorados por elas envolviam questões feministas, a sexualidade, sexo e política e muitos quadrinhos autobiográficos.
Em 1973, a produção de quadrinhos underground entra em declínio, grande parte por pressão da justiça e das forças anti-drogas dos Estados Unidos. Em 1975, Art Spiegelman lança a revistinha Arcade, tentando redefinir a cena de quadrinhos independentes ao começar a olhar para o quadrinhos de uma maneira mais artística, mais sensível e menos focada em chocar o publico e violar tabus. O quadrinho independente foi ganhando força, novas editoras começaram a ser criadas. O quadrinho se aproximava cada vez mais a uma forma literária e o termo graphic novel (romance gráfico) começou a ser utilizado. Em 1990, dois artistas começam a lançar duas histórias em revistinhas independentes que estão na minha lista de favoritas; o Ghost World, criado pela Daniel Clowes e o Optic Nerve de Adrian Tomine. Ambos os quadrinhos retratam histórias do cotidiano, simples, de pessoas como eu ou você. Ghost World trata da história de duas meninas, e virou filme em 2001, estrelando Thora Birch e Scarlett Johansson. Em Optic Nerve, nós acompanhamos a vida de diversos personagens angustiados que vivem no mundo urbano moderno.
O século XXI é marcado pelo boom de graphics novels; artistas que costumavam trabalhar com o mercado de revistinhas independentes começam a se adequar ao modelo de graphic novel e, cada vez mais, novos apareciam. Em 2003, saiu Retalhos, um quadrinho íntimo sobre a história do autor Craig Thompson; logo depois, nós temos o lançamento de Persépolis, de Marjane Strapi, sobre a sua relação pessoal com a religião e, em 2006, Alison Bechdel lança Fun Home, um livro inteiro dedicado a suas memórias e sua experiência de assumir sua homossexualidade. Três grandes sucessos de vendas que firmaram ainda mais o gênero de graphic novels no mercado editorial e contribuíram para a crescente presença de quadrinhos nas prateleiras da livrarias no mundo todo.
O universo do quadrinho é muito maior do que parece ser. Até agora, eu consegui falar de pouquíssimos artistas, infelizmente. Existem muitos nomes que mereciam ser citados mas é impossível de colocar tudo em um artigo para um revista, por isso acabei focando na produção norte americana. Deixei de fora a grande parte da produção japonesa, por exemplo, apesar de achar que o Mangá merece um post inteirinho só pare ele!
Mas a boa notícia é que hoje em dia os quadrinhos estão crescendo. E a linha que separava os quadrinhos mainstreams dos quadrinhos independentes está cada vez mais tênue. Os dois universos estão se entrelaçando e criando novos gêneros. A temática da história em quadrinho mudou muito desde 1930. Porém pouco mudou em relação a sua estrutura. O velho modelo consolidado em Yellow Kid com a presença de quadros e balõezinhos de texto ainda é muito popular hoje em dia. O quadrinho consegue unir texto com imagem e arte. A sobrevivência de um gênero tão ambíguo como esse durante os anos mostra a força que imagem e o texto possuem, ainda mais trabalhando em unisolo.
Eu comecei a ler quadrinhos com a famosa Turma da Mônica, depois passei para as graphic novels (começando com os mais famosos, como Retalhos e Persépolis). Atualmente, fui atrás de alguns sobre super heróis, mas confesso que esse gênero não me atrai muito. Acabo o texto dizendo que, se você nunca leu quadrinhos antes, dê uma chance a esse filho esquisito que transita entre o cinema e a literatura. Muita gente tem aversão aos quadrinhos, já vi pessoas associarem à literatura infantil devido a presença de imagens em suas páginas. Mas o quadrinho deixou de ser para crianças faz muito tempo. Deixo abaixo uma lista para quem quiser conhecer um pouco mais sobre quadrinhos!
Ms. Marvel (2014), por G. Willow Wilson – Antigamente, a Ms. Marvel lançada pela Marvel era uma mulher branca, loira, com quadris assustadoramente pequenos e corpo surreal. Recentemente, a Marvel lançou uma nova Ms. Marvel. Escrita por G. Willow Wilson, uma escritora islâmica, a Ms. Marvel da vez é uma menina adolescente muçulmana. Isso mesmo! A grande Marvel resolveu criar a sua primeira personagem muçulmana e mulher!
Scott Pilgrim Contra o Mundo (2010), por Brian Lee O’Maley – O interessante de Scott Pilgrim é que ele consegue adicionar à graphic novel aquele gostinho de super héroi. Apesar de ser repleto de ação e luta, a história ainda é centrada na relação de Scott e Ramona.
Lucille (2006), por Ludovic Debeurme – Essa história tão delicada conta a história de amor entre Lucille, uma menina anoréxica que lida com problemas pessoais, e Arthur, um menino que precisa aprender a lidar com a vida após o suicídio do pai. Gosto muito desse quadrinho porque os seus desenhos não são limitados ao quadrinho, possuindo uma diagramação mais livre e fluida.
Sailor Moon (1991) por Naoko Takeuchi – Sailor Moon é um mangá um pouquinho mais antigo, mas começou recentemente a ser reeditado no Brasil pela editora JBC. Pra quem não conheçe, é a história de uma menina de colegial que acaba sendo a escolhida para proteger o Reino da Lua e encontrar a princessa da Lua. Como fiquei sentida que não falei nem um pouquinho de nenhum mangá, coloco aqui como dica um dos meus favoritos!
Dora Leroy tem 21 anos e acredita que o universo é grande demais para não existir outras formas de vida inteligente por aí. E, enquanto espera uma invasão alienígena acontecer, gosta de ler livros que se passam em universos mágicos e zerar séries do Netflix.