Se você já assistiu ao filme Garotas Malvadas, deve se lembrar que a Lindsay Lohan, até entrar no colégio, tinha sido educada por seus pais em casa. O motivo mostrado no filme é que os pais viviam viajando e durante sua fase escolar, Cady (papel da Lindsay) morava na África. Nos EUA, essa prática é conhecida como homeschooling, o que significa “ensino doméstico”.
O ensino doméstico é aquele recebido pelos alunos em seu ambiente domiciliar, mas, à distinção da prática autodidata, o homeschooling é feito pelos pais ou tutores da pessoa, que não necessariamente possuem formação acadêmica para ministrar aulas. Para justificar a adoção desse método, são alegados diversos motivos: má qualidade das escolas, divergências ideológicas e questões religiosas.
O ensino doméstico é legalizado em países como EUA, Canadá, França e proibido no Brasil, na Alemanha e Suécia. Em nosso país, há casos de homeschooling tanto condenados pela justiça quanto entendidos como uma opção legítima dos pais, os quais você pode conhecer melhor aqui.
A teoria por trás do homeschooling pode ter alguns pontos bastante positivos, como, por exemplo, a renúncia ao projeto de educação bancária que recebemos, em que os estudantes são vistos como “depósitos” de conhecimento. Nessa configuração, há a divisão hierárquica entre os saberes – o saber acadêmico é superior ao saber popular, técnico e prático. Esse modelo, aliado ao utilitarismo do ensino que se baseia no vestibular, é caracterizado pela reprodução de conteúdos que muitas vezes nos perguntamos se são realmente necessários.
Dessa forma, o ensino doméstico seria pautado pelas reais necessidades pedagógicas do aluno, de acordo com o ambiente em que ele está inserido e se pautando também pelas suas habilidades e aptidões. Nos países em que o método é permitido, os pais que adotam a educação domiciliar devem atingir com seus filhos algumas metas obrigatórias, como saber ler e escrever, realizar contas, saber história do país e mundial, entre outras. Além disso, a prática do homeschooling prevê espaços de socialização da criança em ambientes que não o da escola, como em cursos extracurriculares e atividades físicas, ou até mesmo participar de projetos comunitários.
O mundo maravilhoso do homeschooling seria perfeito se não fosse ridiculamente classista e restrito. Em um país como o nosso, em que a taxa de evasão escolar no ensino básico e fundamental é uma das maiores da América Latina (um em cada quatro alunos abandona a escola antes de chegar à oitava série, segundo dados do Pnud de 2012), o ensino doméstico, se permitido, seria, obviamente, privilégio de poucos.
É só pensar em quantos pais podem devotar horas e horas do dia em ensinar suas crianças – o que demanda não só tempo, como recursos financeiros, além de um regime laboral flexível ou inexistente. Aqui também deparamos com o possível fenômeno da divisão sexual do trabalho: com muita probabilidade, a mãe e somente a mãe seria responsabilizada pelo ensino domiciliar, adicionando mais um trabalho não-remunerado à jornada tripla feminina.
Outro resultado problemático resultaria de um cenário em que o homeschooling fosse permitido: alegando a falta de qualidade das escolas, principalmente das escolas públicas, a classe média e alta privilegiada encontraria essa saída fácil e individualista para seus filhos, enquanto a maior parte da população, no entanto, seguiria tendo como única opção possível o ensino público de má qualidade.
Sabemos que respostas individuais como essa a problemas coletivos são características do liberalismo, cujo resultado é eximir o governo e o poder público da responsabilidade de oferecer serviços gratuitos e de qualidade – que são um direito do povo.
Gabriella Beira é formada em Relações Internacionais e, como qualquer "internacionalista" (é assim que se chama a pessoa que estuda RI), quer conhecer o mundo todo e, se possível, mudar o mundo. Gosta muito de falar sobre educação, cultura, sociedade e feminismo, mas seu hobby mesmo é jogar Plants vs Zombies. É impaciente, procrastinadora, irmã mais velha e aluna mediana.