Desde que eu me lembro, eu objetivava ter como minha característica mais marcante o tal do “não ser como as outras garotas”. Uma das minhas memórias mais antigas sou eu, brincando no trepa-trepa (falar trepa-trepa é coisa de paulistano?) com umas amigas, lá para os meus 4 anos de idade, enquanto conversávamos sobre cores favoritas. Ao ouvi-las todas dizerem que sua cor preferida era rosa, eu soltei um “a minha é azul”. Né? Rosa é cor de menina, azul de menino e eu quis mostrar estar distante do esperado para uma garota. E acreditei, por pelo menos mais 12 anos, amar azul e odiar cor-de-rosa. Até perceber que, de fato, eu amo azul. Mas gosto ainda mais de rosa.
Essa minha pequena e fofa anedota, apesar de parecer simples, porque são só cores, tem dois lados. De um, é legal eu, inconscientemente (né, 4 anos), ter tentado “combater” um estereótipo de gênero. Não sei quem inventou essa bobagem de rosa-cor-de-menina x azul-cor-de-menino; se você para pra pensar, não faz sentido nenhum. O outro lado, esse não tão legal, é o fato de desde muito pequenininha eu já ter começado a entender outras mulheres como minhas competidoras e ser comparada a elas como uma coisa indesejável.
Nossa sociedade é extremamente binarista, isto é, divide o mundo em masculino e feminino, e, consequentemente, em coisas deste e daquele gênero, como se essa divisão fosse super simples e clara, e como se não houvesse nenhum outro gênero. Assim, alguém dizer “você não é como as outras meninas”, quer dizer que se aproxima do outro polo inventado, o masculino, ou do entendido como tal.
Porém, a definição do pertencimento a um ou outro polo (não tratando aqui da identificação com um ou outro gênero, pois essa é uma questão muito mais complexa, mas, somente, da questão de meninas não poderem sair dos limites impostos para este sexo, e garotos idem) é uma construção 100% humana, e, inclusive, varia muito de cultura para cultura, só mais uma prova de que não é uma questão de natureza. Então, com aquela frase, estão querendo tirar uma pessoa de um padrão feminino totalmente construído para encaixar em outro, também completamente criado. A diferença entre eles é, basicamente, a seguinte: o padrão masculino é o considerado ideal pela sociedade. Quantas vezes você já ouviu que homens são mais simples, não falam mal pelas costas, não têm drama… e, por outro lado, quantas ouviu que mulheres são loucas, querem passar uma por cima da outra, criam caso por tudo? Obviamente, quando dizem aquela tão famosa frase, querem dizer: “Você não é como as outras garotas (negativo), você tem características que eu entendo como masculinas (positivo).” Positivo, é claro, se acaso se mantiver dentro dos limites que eu quiser, né?
Não me entenda mal — é ótimo e extremamente saudável tentarmos quebrar com esse tipo de estereótipo! Aliás, aproveito o gancho para dizer: é interessante também questionarmos nosso próprio gênero em si. Mas não precisamos nos prender aos padrões sociais, os quais só dão a opção de nos encaixarmos de um lado do estereótipo ou do seu lado oposto. O (tipicamente entendido como) padrão feminino não é negativo, e não segui-lo a ferro e a fogo, misturar coisas “masculinas” e “femininas” ou se encaixar completamente no (tipicamente entendido como) padrão masculino também não. Simplesmente porque gênero não tem nada a ver com esses padrões bizarros, e sim com identidade.
O importante é a gente não se sentir inferior ou superior por causa disso. Se uma mina é extremamente feminina (mais uma vez, com base no entendimento social) talvez ela já tenha feito essa desconstrução e descoberto se sentir mais confortável assim, até porque, depois de anos tentando não se encaixar no estereótipo feminino por ele ser demonizado, por experiência própria digo que é muito libertador perceber não haver nada de errado com isso. Talvez ela nunca tenha se questionado sobre isso e seja legal encorajá-la a fazê-lo. Talvez ela não queira nunca se questionar. O negócio é que não há problema em ser assim e, em vez de nos separarmos porque “ela é menininha demais” ou “ela é muito masculina”, devemos tentar nos unir e romper com essas imposições juntas. Porque quem criou essa história toda de “você deve ser assim, você deve ser assado” foi o patriarcado e o universo machista, os quais, em primeiro lugar, decidiram que mulheres são inimigas. Não somos e não precisamos ser. Não tem mal nenhum em refutar um estereótipo, mas não precisamos diminuir as minas que não refutam, porque isso nos desune.
Eu entendo perfeitamente por que algumas garotas se sentem bem ao ouvir essa frase e dizem isso também. Além disso, nosso mundo preza muito pelo diferente, queremos chamar a atenção, nos destacar. Mas, amiga, você pode e vai se sobressair e brilhar do seu jeitinho, sem que isso signifique diminuir e rejeitar outras meninas. Se você pensa assim, sem estresse. É perfeitamente compreensível, mas é importante se perguntar por que para você ser “igual às outras” é algo tão ruim, mas “igual aos caras” não, já que estamos pensando no objetivo de se diferenciar. Ser igual às outras minas realmente não é negativo! Eu pensei que sim um dia, mas, hoje, eu não vejo como poderia ser. Afinal, se ser comparada a Laverne Cox, Lorde, Karol Conká, Juçara Marçal, Willow Smith e tantas outras, principalmente minhas amigas (<3), não é elogio, não sei o que é. Apesar disso, na real, nós obviamente não somos iguais às outras porque ninguém é igual a ninguém. E ainda bem! Essa é a melhor parte de ser um ser humano. Então não vamos deixar essa história de querer ser diferente das ~outras~ nos separar mais. Vamos nos unir e esquecer que inventaram esses polos. Somos todas incríveis, cada uma do seu jeitinho.
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