Fui incentivada pelas mulheres da minha família a ler. Delas, mamãe e vovó, adquiri o hábito de sempre carregar um livro na bolsa para preencher as horas gastas no trânsito. Faço isso até hoje, mas nunca antes na história da minha vida eu li tão poucos livros.
Vista cansada? Sem dúvidas, trabalho lendo o dia inteiro e, ao final do expediente, prefiro fazer outra coisa. Mesmo ciente disso, acredito que a raiz dessa questão está no excesso de leituras intermitentes que fazemos ao longo de um dia enquanto navegamos pelas redes sociais. Sejam os textões no Facebook, sejam os 140 caracteres no feed do Twitter, nossos olhos nunca malharam tanto, segurando a barra que é acompanhar a rolagem de notícias que pipocam nas telas de celulares, tablets e computadores.
O estado de hiper conexão proporciona o consumo da enxurrada de conteúdo, mas a nossa capacidade de assimilação não acompanha o ritmo acelerado da vida que levamos hoje. Você já se pegou tentando lembrar de uma informação que acabou de ler no celular? Algum conhecido já reclamou de cansaço mental? E aquele incômodo de ter estudado e não ter absorvido nada? Experiências como essas se tornaram mais frequentes na era da comunicação, o que chega a ser irônico, pois, quanto mais comunicação, menos entendimento, já que é humanamente impossível reter e processar tanta coisa por dia. E esse esgotamento mental afeta a nossa criatividade. E, para quem vive de escrever, ter a criatividade abalada é um problema. Falo por mim mesma: aqui na Capitolina, tá sofrido pensar em pautas inéditas, e quando esbarro em alguma, o texto demora a pegar no tranco.
Os livros sempre foram meus antídotos para essa falta de inspiração, mas nem eles têm dado conta desse recado: começo a ler um romance, mas não continuo porque estou cansada e a narrativa não prende a minha atenção, e isso nem sempre diz respeito à qualidade da história: cada vez mais acostumados a consumir conteúdo em um punhado limitado de caracteres, nosso foco de atenção está, de fato, reduzido.
Dito isso tudo, preciso confessar: minha relação com os livros está abalada, a gente já foi mais chegado. Lamentável, eu sei. E eu também sei que não estou sozinha nesse vale desolado dos amantes de livros que não leem mais livros como antigamente. Mas sigamos persistentes, principalmente vocês que também são escritoras! Minhas dicas são:
1) Mantenham seus hábitos. Eu insisto em carregar um livro na bolsa sempre que saio de casa. Pesa? Pesa, mas serve de lembrete sobre quem eu sempre fui e ainda sou, mesmo em meio ao turbilhão comunicativo desses dias: aquela devoradora de livros que aprendeu a ler precocemente com os gibis da Turma da Mônica;
2) Inventem novas estratégias de criação textual. Não vamos condenar a tecnologia como algoz dos nossos hábitos de leitura e escrita! A parada não é essa: a gente reconhece que as relações livro-leitor-escrita estão se transformando, a gente chora umas pitangas por isso, mas sacudimos a poeira para seguir em frente, até porque ganhamos vários recursos bacanas para não apenas ler, como também escrever! Afinal, há males que vêm para o bem: com essa vida hiperconectada, eu escrevi esse texto todo no meu celular, nas idas e vindas no metrô, auxiliada por links lidos, prints e imagens que fui compilando no Evernote para alinhavar meu raciocínio. E, claro, isso tudo sempre amparada por um livro dentro da bolsa.
Beatlemaníaca que gosta de sambar diferente com o Molejão, gosta de carnaval e de futebol mais que o recomendado pela OMS. Carioca da gema e cidadã do mundo, tradutora, intérprete, historiadora, mochileira, nômade digital, rabiscadora compulsiva em moleskines (não necessariamente nessa ordem) mas, antes de tudo, uma contadora de histórias, sobre si e sobre os outros. Escreve sobre o cotidiano da tradução em: http://pronoiatradutoria.com/