Na história do cinema brasileiro, há uma mulher chamada Helena, que além de ter sido considerada ícone de beleza, foi a atriz protagonista dos períodos mais experimentais e subversivos do Brasil, nos anos 1960 e 1970. Somando mais de trinta filmes na sua carreira, ainda hoje, ela continua dirigindo, atuando e produzindo.
Helena Ignez veio de família rica, da alta sociedade soteropolitana. Na Faculdade de Direito da Bahia conheceu Glauber Rocha, um esquisitão que se dizia poeta, e se apaixonou por aquele que viria a ser o principal nome do movimento Cinema Novo. Foi no primeiro filme de Glauber, o curta O Pátio, que Helena começou a sua carreira de atriz e decidiu largar a faculdade.
Não demorou muito para que Glauber e Helena oficializassem a união.
(cena de O Pátio, 1959)
Do pátio de Glauber para os palcos e dos palcos para as telas de Roberto Pires e Roberto Farias, Helena Ignez, então mãe, mudou-se para o Rio de Janeiro e deslanchou sua carreira sendo um exemplo de atriz livre e de estilo próprio. Foi a protagonista de Joaquim Pedro de Andrade em O Padre e a Moça o que lhe rendeu prêmios no Brasil e uma indicação no Festival de Berlim.
(cena de O Padre e a Moça, 1965)
Em 1968, Helena recebeu um convite para participar de um filme chamado O Bandido da Luz Vermelha, “o faroeste do terceiro mundo”, e a partir daí a sétima arte no Brasil tomou um novo rumo, com o início do Cinema Marginal, assim como a sua vida. Foi com Helena Ignez que Rogério Sganzerla, diretor da obra, se casou e ficou até a morte.
Rogério sempre foi mestre em criar personagens marcantes, e no seu segundo filme, A Mulher de Todos, ele deu a Helena o papel de Ângela Carne e Osso, “a inimiga número um dos homens”. Em plena ditadura, Helena Ignez interpretava uma mulher ninfomaníaca, totalmente a frente do seu tempo, como ela mesma dizia: “eu sou simplesmente uma mulher do século XXI, sou um demônio antiocidental, eu cheguei antes, por isso sou errada assim”.
O filme foi sucesso de bilheteria na época, mas ainda assim, Helena Ignez e Rogério foram avisados de que teriam que sair do país ou os seus filmes seriam destruídos.
Para Sganzerla, o cinema era um mecanismo de crítica e reflexão, a sua arte se apoiava no lado contestador. Ângela Carne e Osso era o contrário da mulher submissa, coadjuvante. Ângela era a anti-heroína, representava a mulher livre e ciente de seus desejos, a fim de ultrapassar os limites impostos pela sociedade machista.
Com Ângela Carne e Osso, Helena Ignez ganhou o prêmio de melhor atriz do Festival de Brasília e marcou para sempre a sua carreira e o papel feminino no cinema.
(Cena do filme A Mulher de Todos, 1968)
Com o seu marido e o cineasta Júlio Bressane, Helena fundou a Belair, produtora de “subproduções” audiovisuais, em 1970, dando gás ao Cinema Marginal. Mas um cinema tão livre não teria condições de sobreviver a um país na ditadura, a Belair durou somente seis meses, quando Helena e Rogério tiveram que sair do país com seus filmes.
Depois de anos se dedicando ao teatro, pequenos projetos audiovisuais e a morte do seu marido, em 2007, Helena assinou a direção do seu primeiro longa, Canção de Baal, e começou a se dedicar a produção do filme que seria a continuação do primeiro filme de Sganzerla, Luz nas trevas: a revolta de Luz Vermelha.
Atualmente, ela está constantemente em viagens para receber prêmios e divulgar a obra do companheiro. Diz-se decepcionada com o rumo do cinema brasileiro e ainda cultiva o mesmo ideal que possuía na década de 1960, da desconstrução, liberdade e transgressão.
Nelson Rodrigues uma vez disse, “Uma Helena que também é Inês dá o que pensar. O nome duplo faz supor uma predestinação. Que vínculo tênue, misteriosíssimo, pode ligar a artista da capa a dois símbolos femininos eternos? Não é por acaso, não é por capricho, que uma mulher se chama, ao mesmo tempo, Helena e Inês.”.
Para ver mais da Helena Ignez:
1965 – O Padre e a Moça
1968 – O Bandido da Luz Vermelha
1969 – A Mulher de Todos
1970 – Copacabana mon amour
1970 – Sem Essa, Aranha
1985 – Nem Tudo É Verdade
2003 – O Signo do Caos
Ana nasceu na Bahia em 1992. Ainda não descobriu o que vai ser quando crescer, mas aprendeu que isso não é motivo pra preocupação. Quanto mais tempo se descobrindo melhor. Gosta de ler a internet, escrever listas sobre tudo, de gatinhos e da sua cama.