Era 8:00 da manhã e Laura sonhava em ir na hamburgueria com o João. Ela chegou mais cedo e pediu um milk shake de Negresco. Quando ele chegou, a viu tomando pequenos goles pelo canudo, distraída e charmosa. Ele estava usando uma camisa jeans e uma camiseta com cara que a mãe dele tinha escolhido. Laura acordou.
Assim passava o tempo. Cenários brotavam em sua cabeça a toda hora. Cenários sobre o João, que morava no prédio de sua vó, sobre festas que ela nunca iria, eventos futuros, países distantes. Ela sonhava durante as aulas de matemática, química, física e geometria. Sonhava antes de dormir, mas raramente lembrava dos sonhos que aconteciam enquanto dormia. Sonhava durante a igreja e enquanto sua mãe dirigia até a casa da vó – nessa hora, Laura sempre sonhava sobre encontrar o João na portaria.
Laura obviamente sonhava para fugir. Imaginar outro mundo era bem mais legal do que estar quase repetindo a oitava série, passar todos finais de semana com a vó, não ter quase nenhum amigo ou habilidade. Com a mãe no carro, no caminho para uma reunião de pais (no caso da Laura, só a mãe) e professores, Laura sonhou que estava ganhando um prêmio de literatura escrita por adolescentes enquanto seus professores olhavam surpresos da plateia e Laura recebia com triunfo uma medalha de uma de suas autoras favoritas, que a abraçava e dizia: teu conto foi um dos melhores que já li!
A mãe de Laura estava nervosa. Laura sabia que as coisas não iam bem na escola, mas não havia exatamente contado para sua mãe quão ruim era a situação. Quando elas chegaram na diretoria, cinco professores, a coordenadora e a diretora explicaram que não havia solução para ela passar de ano a não ser transferi-la de escola, para que ela tivesse uma nova chance com novas notas em outro lugar. Laura sonhou que chegava em casa com um boletim perfeito, notas acima de 9,0 e um elogio da diretora. Interromperam o sonho de Laura para dizer que ela era muito distraída e que precisava procurar uma psicoterapeuta para ajudá-la aprender a focar-se na realidade.
Sair da escola parecia melhor do que repetir de ano. A mãe de Laura decidiu transferi-la para uma escola perto da casa de sua vó – a escola de João. Nas férias de Julho, Laura sonhou que saia da escola para tomar açaí com ele e depois iam de bicicleta até a biblioteca municipal. Quando as aulas começaram, Laura caiu na sala do João. Ele até que foi bem legal, mas Laura descobriu a amizade de Isadora, Bia e Manu – o que foi muito mais legal do que qualquer sonho com o João.
Laura terminou a oitava série, fez colegial (com a Isa, Bia e Manu) e terminou a faculdade. Os sonhos foram diminuindo e ela não passa mais tanto tempo distraída com cenários imaginários. Não porque a realidade seja perfeita, mas Laura não precisava mais fugir para sobreviver a ela.
Rebecca Raia é uma das co-fundadoras da Revista Capitolina. Seu emprego dos sonhos seria viajar o mundo visitando todos museus possíveis e escrevendo a respeito. Ela gosta de séries de TV feita para adolescentes e de aconselhar desconhecidos sobre questões afetivas.