Quando uma editora aceitou publicar seu livro Harry Potter e a pedra filosofal, Joanne Kathleen decidiu que assinaria a obra apenas como J. K. Rowling, temendo que o público masculino não se interessasse por uma história de autoria feminina. A decisão de Joanne é representativa da posição em que se encontram mulheres escritoras no cenário ocidental, modelo do qual o Brasil é herdeiro.
Quantos escritores nacionais você é capaz de nomear? E quantas escritoras? A popularidade de homens produtores de cultura, paralelamente ao anonimato de tantas mulheres, não é consequência da abstenção destas no âmbito artístico ou de uma atuação qualitativamente inferior em comparação a daqueles como erroneamente se poderia supor. Essa discrepância é resultado de um trabalho ideológico que há séculos atribui valor às obras literárias a partir de concepções patriarcais. Historicamente o espaço feminino é o doméstico. O campo literário é público, é lugar de fala e de poder, portanto, seria por excelência masculino (de acordo com os valores tradicionais, é claro). Por isso, mesmo quando, a despeito de todas as dificuldades estruturais, uma mulher conseguia publicar e alcançar prestígio junto aos leitores, este era negado pelos críticos (aqueles responsáveis por definir o que seria bom e o que seria ruim, o que mereceria glória e o que mereceria esquecimento).
Uma das consequências dessa situação é a disparidade entre a presença de homens e de mulheres nos livros didáticos das escolas do país. Nos anos 1970, dos doze nomes de autores mais mencionados nos livros de português, apenas um era feminino[1]. O tempo não melhorou muito as coisas: em publicações de 2016 voltadas ao ensino fundamental, somando-se escritora(e)s, cantora(e)s, cartunistas e personalidades históricas, chega-se a obter a diferença de menção total a 11 mulheres em contraste com 148 referências a homens![2] O modelo é reiterado também no ensino superior. A Fuvest (Fundação Universitária para o Vestibular), responsável pelo ingresso em algumas das maiores instituições brasileiras, divulgou no ano passado as listas de leituras obrigatórias para 2017, 2018 e 2019. A seleção decepciona, mas não surpreende: dos nove títulos anuais, apenas um é de autoria feminina.
Em uma sociedade que se pauta pela exclusão de tudo que não se encaixa nos padrões (elitistas, brancos, heteronormativos) masculinos, ler mulheres é um ato revolucionário. Entretanto, lê-las não é apenas se rebelar contra a hegemonia, é também expandir horizontes, entrar em contato com narrativas e poemas de alta qualidade, diversificar e enriquecer noções de mundo e de cultura, descobrindo que entre os gênios desse tempo há também muitas gênias.
Leia mulheres
Em 2014, a escritora Joanna Walsh criou o projeto #readwomen2014, adotado no Brasil sob a alcunha de “Leia mulheres” e em vigor até hoje. Trata-se de uma espécie de clube de leitura que propõe a discussão de obras femininas. Para obter mais informações e saber quais as cidades atualmente contempladas, acesse www.leiamulheres.com.br.
Algumas sugestões
Não sabe por onde começar? A gente indica títulos brasileiros de épocas e gêneros diferentes. Tem para todos os gostos, mas nossa recomendação mesmo é a leitura da lista completa. Alguns estão disponíveis na internet e muitos são facilmente encontrados em bibliotecas públicas.
[1] Fonte: “A seleção brasileira de escritores nos livros didáticos dos anos 70”, de Suzete da Paula Bornatto. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/er/n51/n51a07.pdf.
[2] Fonte: E quando as escritoras (não) aparecem nos livros didáticos: uma análise comparativa, de Aline Oliveira Souza. Disponível aqui.
Leandra Postay é capixaba nascida e criada no mar. Mora em SP e estuda literatura brasileira, pesquisando sobretudo patriarcalismo e violência. A única coisa que sempre quis e continua querendo é escrever. Aprende muito com os livros, mas aprende mais com a yoga e a cozinha. Acredita que um mundo melhor começa dentro de nós.