Na escolinha havia uma mesa de brinquedos. Acima dessa mesa, eles eram divididos em dois tipos: os de meninos e os de meninas. Uns estavam no lado direito e os outros no esquerdo. Certo dia, rejeitando brinquedos que não me entreteriam, fui para o lado oposto e decidi brincar com aqueles que realmente enchiam meus olhos. Para o transtorno das professoras, sentei na parte feminina da mesa e peguei a boneca. “Joãozinho*, por que você está brincando com a Barbie? Meu amor, você não pode. Homens brincam com os carrinhos. As meninas brincam com a boneca que você tá na mão.”
Gostaria de ressaltar alguns pontos dessa fala:
É engraçado que, mesmo novos, os meninos de 5-6 anos foram chamados de homens. Existe todo um valor por trás de pertencer a esse gênero. Algo internalizado e que é reproduzido sem nem termos a devida noção do peso dado em nossa fala a essa figura masculina. Já com as mulheres vem o eufemismo, o reconhecimento da fragilidade e… menina. Elas eram apenas as meninas. Por isso, deveriam brincar com a boneca.
Ao designarmos essas imposições, instantaneamente nós acabamos por apagar a subjetividade e as particularidades daquela pessoa. Nessa situação, daquela criança. Por que Beatriz, menina, não pode jogar bola? Por que Marcos, menino, não poderia brincar de cozinha? Aliás, por que desde tão jovem a mulher é condicionada automaticamente a estar rodeada de brinquedos que façam alusão à vida no lar? É hora de questionar isso. O machismo bate na nossa porta já tão jovem.
Discutir sobre gênero e identidades, sobre as caixinhas que nos são impostas e como as desconstruir é preciso. Discutir sobre raça, sobre os padrões estéticos de uma raça dominante e como os desconstruir é preciso. Discutir sobre sexualidade, sobre intolerância ao amor do outro e como desconstruir isso é preciso.
Disseminar a percepção de que o ser humano é singular, sendo assim, nenhum é igual ao outro, mostra-se mais do que necessário. Principalmente quando é com esse pensamento que iremos legitimar a importância do respeito para com o próximo.
Na busca de mecanismos para extinguir as discriminações contidas em nossa sociedade, muito se fala em criminalização, políticas públicas e afins. Meu ideal de medida efetiva, quando o que almejo é mudar essa situação, é defender uma reeducação desde a base. É mostrar uma nova perspectiva sobre as vivências plurais contidas em nosso coletivo. Se meu priminho sabe o que é ‘’viado’’ aos 5 anos e reproduz isso, é porque de alguém ele ouviu quando ainda nem tinha a devida lucidez sobre o peso que essa palavra possui para o outro e na vida daquela pessoa. Se esse meu primo tivesse uma educação, seja em casa ou na escolinha, onde o que mais se pontua é que todos devem ser respeitados, sem dúvidas ele iria parar de reproduzir esse tipo de discurso. Porque a percepção de que aquilo é errado seria criada.
Precisamos discutir como criar uma educação que nos liberta, não que nos acorrenta. Uma educação que leve não só a informação, mas também ao respeito, a tolerância e ao reconhecimento da identidade do outro. Seja ela dentro dos padrões socialmente ditos como comuns ou não.
Futura pedagoga e feminista que transversaliza as questões de gênero e raça. Meu nome se tornou uma alusão à minha transparência em relação aos meus sentimentos. Pisciana, sinto como se eu fosse um mar misterioso e difícil de se velejar.