Numa festa de amigos, encontrei um garoto que eu não via há muito tempo, fui conversar com ele e o mesmo se assustou quando me viu. “Eu me lembro de você. Você era o fulaninho. Nossa! Como tu tá linda. Parabéns pela…” e ele ficou procurando a palavra até eu completar “coragem” e ele sorrir, dizendo “Isso! Coragem! Parabéns por ter tido”. Eu completei a frase dele porque já é algo cotidiano escutar de algumas pessoas o quão louvável é eu ter tido a coragem de me assumir mulher trans* numa sociedade ainda tão fundamentalista. O estranho é que nunca me vi numa guerra interna entre o “me assumo ou não?”, tudo foi muito natural, como se fosse o certo a se fazer. E era.
Escrever essa pauta é interessante porque é como se eu procurasse um motivo tangível para as violências que já sofri em discriminações que se perpetuam nesses meus 18 anos. Muitas vezes me vi questionando o que acrescentava na vida do outro me zombar enquanto eu passava na rua. O pensamento sempre foi o mesmo “O que ele ganha com isso?”. Nunca achei a resposta. Nunca achei algo realmente plausível que justificasse a incansável força de vontade que alguns meninos do bairro tinham em chamar atenção de toda a avenida quando eu, a aberração, passava.
Ainda tenho vontade de me sentar na mesa do bar junto com eles e perguntar o que os leva àquilo, que sentido a vida deles ganha ao humilhar alguém, mas tenho consciência que vou assustá-los e, instantaneamente, pequenos ficarão diante de mim. Por quê? O reagir os assusta. Assusta-os ainda mais do que o nosso simples viver. De nos ver caminhando livremente na rua como se não nos preocupássemos em estar quebrando normas. É a coragem que faz as outras pessoas se sentirem ameaçadas e com medo daquelas pessoas empoderadas que lutam diariamente para ter seu gênero, orientação sexual, raça ou simplesmente ser, respeitados.
Inveja é uma palavra forte e não a uso como justificativa para essa situação, mas acredito que qualquer pessoa que crie aversão a outra por motivos tão banais como diferenças em qualquer aspecto que seja, precisa urgentemente avaliar quais concepções a leva a cultivar um preconceito dentro de si. Somos minorias sim. Somos as pessoas oprimidas. Mas somos relevantes o suficiente para eles se importarem, comentarem e invocarem sentimentos negativos dentro de si mesmos.
A saída mais cabível, para essa falta de condolência perante o outro, é reconhecer que vivemos numa comunidade plural, onde encontraremos nuances diferentes, uma diversidade de ser e de se portar, e o importante e imprescindível é ter noção de que o respeito ao próximo não é opcional, é ESSENCIAL.
Futura pedagoga e feminista que transversaliza as questões de gênero e raça. Meu nome se tornou uma alusão à minha transparência em relação aos meus sentimentos. Pisciana, sinto como se eu fosse um mar misterioso e difícil de se velejar.