Quando pensamos em casamento, a primeira imagem que vem à cabeça é de um relacionamento amoroso, geralmente entre duas pessoas e mais geralmente ainda – principalmente na sociedade em que vivemos – entre homem e mulher (embora hoje – AINDA BEM! – esses padrões antigos já estejam se modificando). Entretanto, apesar de não ser tão perceptível, muitas vezes o nosso relacionamento com nossos pais também pode ser enquadrado como uma espécie de casamento.
Mas como assim, Luciana? Bom, pensem comigo: partindo da ideia de que um casamento (aquele que pensamos lá no comecinho mesmo, entre pessoas que mantêm aquele relacionamento amoroso) é baseado, dentre várias outras coisas, em uma espécie de acordo afetivo de exclusividade… Faz muito sentido. Mesmo que alguém possua duas mães ou dois pais, cada um possui o seu papel na criação dos filhos em questão; e como ninguém é igual ao outro só por causa de gênero ou função social, fica bem claro que não dá pra gostar de outro pai ou outra mãe da mesma forma que você gosta dos seus – nem que seja de forma negativa. Assim como você pode amar várias pessoas, mas se você e seu marido ou esposa foram monogâmicos, fica proibido amar alguém da mesma forma que você ama aquela pessoa com quem divide o anel. Casamento.
Nossos pais (sejam eles biológicos, adotivos ou até mesmo de consideração) são, em tese, o primeiro contato que temos com carinho. Por conta desse laço afetivo, é muito comum sentir que eles serão os únicos a se manter firmes e fortes do nosso lado em qualquer situação. A superpropagação da ideia do amor incondicional que os pais (em especial as mães) supostamente sentem pela gente a partir do momento em que nascemos faz com que, mesmo inconscientemente, contemos com esse amor de forma ilimitada.
O que a experiência de ter os pais sempre por perto faz a gente esquecer é que o amor, assim como qualquer outro sentimento, precisa de manutenção para se manter firme. Ah! E algo que pouquíssimos romances esquecem de incluir é que, assim como acontece também com qualquer outro sentimento e dependendo da situação, às vezes essa manutenção pode não ser saudável.
Um ponto muito interessante tratado na psicologia é a necessidade que todos nós temos, em algum momento da vida, de matar os nossos pais. CALMA! – não de verdade. A morte simbólica das figuras maternas e paternas é importante para que possamos fazer a transição da infância para a adolescência e dela para a fase adulta, e esse momento de transição tem muito mais a ver com o valor afetivo que cada um atribui aos seus pais do que à idade em si. Tem a ver com virar a própria mãe, se entender como dona de si mesma e, a partir daí, conquistar certa independência emocional.
Já percebeu, por exemplo, como somos criadas para a obediência? Todo adulto adora crianças que nunca contestam nada, as quietinhas. Uma criança que questiona é inconveniente porque tira dos adultos que a educam a sensação de deuses; mas como esse senso questionador nos é tirado muito cedo, crescemos com a ideia de que nossos pais são donos da verdade. Um exemplo claro disso é quando alguém critica determinada atitude em um amigo ou conhecido mas consegue pensar em várias desculpas que justifiquem aquela mesma atitude se quem a cometeu foi seu pai ou sua mãe.
A gente sabe: nossos pais são humanos. Mesmo assim, é bem difícil entender de verdade que aquela pessoa que geralmente cuidou de você durante toda a sua vida, além de não ser perfeita, possui expectativas próprias, sonhos além da sua existência, segredos que nunca te contaria e outras milhares de coisas que estão no âmago de cada um – inclusive no seu. E isso pode ser relacionado ao casamento quando a gente lembra que os primeiros problemas que o casal enfrenta geralmente estão ligados a essa percepção das “falhas no percurso”, da humanidade do outro.
Claro: cada situação é diferente e essa reflexão não pode nem conseguiria contemplar todas as milhares de dinâmicas familiares que existem por aí. Mesmo assim, muita coisa fica muito mais clara quando a gente lembra que aquele cordão umbilical afetivo que nos liga aos nossos pais não é necessariamente nocivo, mas como o nome sugere, prende – e muito amadurecimento pode ser perdido na insistência em uma vida de casados que poderia ter sido muito mais tranquila se a relação tivesse evoluído pra uma bonita amizade.
Luciana tem 20 anos e é de Macapá, no Amapá, no extremo norte do Brasil. Cursa Letras na universidade federal do seu estado e é apaixonada por artes em geral, sendo a dança, o desenho e a pintura suas favoritas. Sonha em mudar o mundo com a ajuda dos seus gatos e tem certeza de que nasceu, além de índia, sereia de água doce.