Quando se fala em comida orgânica, logo pensamos em comida livre do famoso agrotóxico, mas acontece que não é só isso. Alimento orgânico é todo aquele em que não se utiliza uma série de compostos, como adubos químicos, antibióticos, hormônios e drogas veterinárias, que são comumente utilizados em animais, etc. Ou seja, são isentos também de outros subprodutos que muito fazem mal para nosso organismo, como metais pesados e nitritos (o que os produtores utilizam para deixar aquele bife que a gente compra no mercado com a cor vermelhinha), entre tantas outras coisas que deixamos passar despercebido, ou sequer sabemos que um alimento pode conter.
O alimento orgânico é classificado como tal de acordo com a Agricultura Orgânica, que em nossa Legislação tem como objetivo, entre outras coisas, valorizar o produtor orgânico e salientar a importância da produção orgânica como medida sustentável e benéfica à saúde não só do produtor (aquele que ficaria manipulando diretamente uma série de compostos químicos prejudiciais), como também a do consumidor e do meio ambiente.
Não há dúvida de que a alimentação orgânica é a melhor opção para todos nós. Existem diversas pesquisas e reportagens que nos mostram como as mudanças no hábito alimentar e a inclusão de orgânicos na dieta melhoraram rapidamente a saúde de diversas famílias, mas, mesmo com tudo isso, por que ainda é tão difícil ter acesso a esses alimentos?
Para entendermos melhor essa questão, precisamos saber como os orgânicos são produzidos e o que os difere dos alimentos convencionais no momento da produção. O conceito de produtividade é uma ideia importante a ser trabalhada aqui, já que antes o mesmo envolvia a produção por área, e hoje é por área e tempo. Ou seja, nos últimos anos os agricultores e cientistas vêm buscando formas de cultivar alimentos de forma precoce e considerada produtiva.
Quando pensamos na área animal, a questão é bem gritante. Seus pais já devem ter comentado que na década de 1980 um frango de granja demorava muito mais tempo pra ser produzido, em torno de sessenta dias, e hoje demora 45 (ou menos)? Alguma coisa aconteceu, certo? E essas alterações não se aplicam apenas a frangos, mas a ovos, peixes, legumes, frutas, verduras e diversos outros alimentos.
Há quem reproduza esse mito de que o modelo de produção em longa escala aliado a utilização de agrotóxicos e o desenvolvimento da biotecnologia será o fim da fome mundial, mas já explicamos aqui que não é bem assim. Bem ou mal, você provavelmente já ouviu falar da empresa Monsanto, que é produtora de sementes transgênicas e atualmente a grande líder do monopólio agrícola nacional, certo? Então provavelmente tem uma ideia do que são os transgênicos, considerados com razão o Lorde Voldemort dos alimentos.
Bom, esse negócio de transgenia que gera tanta polêmica funciona mais ou menos assim: você pega uma espécie de milho, que carrega um código genético de milhares de anos e altera um negocinho de nada nesse código (olhaí eu sendo muito científica!). Essa alteração vai torná-lo resistente a determinado agrotóxico (que, por uma incrível coincidência, é aquele que você vende, o RoundUp) e principalmente, vai possibilitar que você tenha a patente desse código. Afinal, você descarregou muitos dinheiros e energias nisso, desenvolveu pesquisas, nada mais justo. A REAL É QUE: o milhozinho lá que demorou milhares de anos pra se formar na natureza agora é seu. Ok… não é exatamente seu, mas aquele código genético com a alteração é.
Acontece que, em primeiro lugar, a gente não sabe exatamente quais são os efeitos dessa alteraçãozinha no nosso corpitcho. E por quê? Simplesmente porque o esforço empregado em desenvolver essa tecnologia pra ganhar muitos dinheiros com isso é bem maior do que o estudo das suas consequências. Depois, essa plantinha geneticamente modificada vai permitir maior produtividade, o que torna tudo mais barato e consequentemente desestimula pequenos produtores e a produção orgânica.
Outra bizarrice criada pela Monsatan é o que eles chamam de “terminator seeds” ou sementes exterminadoras. Você deve imaginar que nada de bom deve sair desse nome, né? Acertou. Essa foi uma tecnologia desenvolvida pra que as sementes fossem estéreis. Ou seja, você planta, colhe e o plantio não gera outras sementes. Isso, graças à deusa, fracassou. Mas ainda assim os produtores são obrigados a assinar um contrato para que não utilizem as sementes de novo no próximo plantio porque, afinal, são patente da Monsanto.
Mas como desgraça pouca é bobagem, lá vem mais má notícia. Essas sementes do mal são uma baita ameaça à biodiversidade, isso porque se a polinização que se dá pelos ventos e outros agentes polinizadores carrega consigo aquela sementinha até alguma plantação orgânica, tchã rã, contaminação na certa! Como essa transgênica é mais adaptável, as variedades selvagens e nativas dessa plantinha da qual estamos falando passam a correr o risco de serem eliminadas. É por isso que os transgênicos não são só uma ameaça ao produtor e ao consumidor, mas também à própria natureza!
Parece muito absurdo mesmo – e é! Mas infelizmente, o exemplo do milho é real. O salgadinho, o sucrilhos, a cerveja, a ração do cachorro. É tudo o mesmo milho, e esse todo milho é produzido assim. E a gente come. E agora a gente não vai ter sequer direito de saber o que é transgênico e o que não é.
É possível compreender melhor a questão da Monsanto e a produção agrícola mundial e nacional, assistindo ao documentário O Mundo Segundo a Monsanto, que mostra como o poder deles é capaz de amenizar epidemias de suicídio, casos de bairros inteiros contaminados, e botar as pesquisas contrárias aos agrotóxicos e transgênicos todas pra debaixo do pano. E isso tudo faz esse comercial deles parecer MUITO assustador:
Além disso, essa multinacional querida nos deu mais um exemplo do seu poder de monopólio vetando a distribuição de uma cartilha do Ministério da Agricultura que pretendia valorizar a produção dos orgânicos e orientar o consumidor a escolher os mesmos. Até que ponto chega esse poder? Estamos realmente livres para escolher?
Daí, como a gente já disse, o alimento orgânico ou o alimento limpo é acessível apenas às camadas mais favorecidas, enquanto a população pobre continua se alimentando de, como alguns cientistas chamam, “substâncias comestíveis” ou “geralmente consideradas seguras”, o que a longo prazo pode causar problemas de saúde e, consequentemente, gera custos governamentais com tratamentos, medicamentos e hospitalização.E tudo isso poderia ser evitado com uma alimentação limpa e de qualidade.
Em meio a dinheiro, brigas de poder e nenhum senso ético de autoridades que tentamos ter uma alimentação limpa e acessível a todos. É preciso que o alimento comece a ser tratado como questão de saúde e política, e não apenas financeira, pra que os pequenos produtores tenham mais autonomia pra plantar e todos nós, pra escolher o que vamos colocar na mesa. Seguimos a caminhada, em passo de formiguinhas lentas em plantações orgânicas, mas seguimos.
Fabiana Pinto, negra e carioca. Graduanda em Nutrição na Universidade Federal do Rio de Janeiro em tempo integral e, escritora de suas percepções e experimentações do mundo em seu tempo livre.
Boneca trouxa inveterada que perde muito tempo reclamando e clamando direito à preguiça. É escorpiana com ascendente em áries e ama mostarda de uma forma não muito saudável. Se identifica com nuvens cirrocumulos e alguma parte dentro dela ainda quer ser astronauta.
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