Desde quando comecei a fazer meu cursinho pré-vestibular, muito rondava minha mente em relação a qual curso me contemplaria, qual curso eu poderia me ver fazendo e nele me sentindo completa. Muitas opções foram cogitadas, mas a pedagogia sempre foi uma das que mais se destacou. Eu muito me perguntei, durante esse tempo de decisão, sobre o que eu almejava para minha futura profissão. Um bom salário? Uma boa perspectiva dentro do mercado? Realização própria? Foram inúmeras questões que apareceram, fazendo-me questionar o que eu desejava pro meu futuro e como eu me via nele. Porém, eu havia me esquecido de um delimitador importante e que mudava toda a conjuntura: eu sou uma mulher trans. E ser mulher trans, infelizmente, não me permite ter sonhos.
“O que irei fazer agora?” “Como levarei minha vida?” “Só me restará a prostituição?” Outras perguntas foram postas no lugar das anteriores. Passei a questionar não meu futuro, mas como eu sobreviveria em um cotidiano que nos coloca na margem. Duro! A mudança é brusca. Você passa a parar de sonhar e se torna consciente de que o mais importante é tentar viver. Tentar viver em uma sociedade que nos mata não só na pele, mas também estruturalmente.
Dentro desse processo e vivendo enquanto militante, me vi sendo pedagógica. Me vi sendo didática e interessada em mostrar novas óticas a partir da exposição de minhas vivências para as pessoas. Isso era importante. Essas pessoas — o grande senso comum, a grande massa — não estão acostumadas ou familiarizadas com as questões trans e, por isso, eu me via extremamente interessada em mostrar essa nova perspectiva e querer trazer questionamentos e reflexões que viriam a fazê-los enxergar coisas que, até então, eram totalmente invisíveis no dia a dia.
Isso é pedagogia! Isso é agregar conhecimento, é trazer realidade, é mostrar um novo mundo totalmente desconhecido para aquele número de pessoas. Vi a pedagogia enquanto fator de mudança em um possível futuro meu, e o mais importante foi justamente ter me permitido ver um futuro na minha vida. Isso é um passo importante. É algo que eu gostaria que mais mulheres trans e travestis tivessem.
Sei que enfrentarei preconceito, afinal, o curso e toda sua estrutura ainda são, infelizmente, muito relacionados ao conservadorismo. Porém, a importância de ocupar esses espaços e trazer novas nuances para seu ambiente é uma ideia preenchedora. Para mim, para o movimento e para a educação. Educação essa que hoje ainda é precária no que tange a pautar a libertação, o respeito e a pluralidade do ser humano. Educação também é ensinar a entender o outro e é isso que eu, enquanto militante, sempre busquei fazer: que entendessem as vivências alheias para além das nossas.
Vivemos processos durante toda nossa vida e meu processo atual é sobre ser mulher trans e tornar-me pedagoga.
Futura pedagoga e feminista que transversaliza as questões de gênero e raça. Meu nome se tornou uma alusão à minha transparência em relação aos meus sentimentos. Pisciana, sinto como se eu fosse um mar misterioso e difícil de se velejar.