Usar sutiã é um hábito que surge para as garotas de maneira tão automática que raramente paramos pra pensar no que ele significa. Quando crianças, meninas e meninos andam de peitos descobertos, todos melecados de picolé, rolando na areia e virando croquete, iguais e sem julgamentos. Mas aí soam doze badaladas sinistras no relógio e o príncipe bate à porta da sua casa. Em uma almofada de veludo está o seu primeiro sutiã. Agora você é oficialmente uma mocinha.
Muitas vezes o sutiã vem antes mesmo do desenvolvimento dos seios. Muitas vezes não é nem a menina que decide quando (e se) quer começar a usar sutiã. Muitas vezes o primeiro sutiã aparece na nossa vida mais ou menos assim:
Esse comercial, que fez muito sucesso na época que foi lançado e continua sendo revisitado até hoje como grande referência da publicidade, é extremamente triste: a protagonista é socialmente pressionada. Ela se sente constrangida e desconfortável com o próprio corpo ao observar que todas as suas colegas de escola usam sutiã, e ela não. Pra fechar com chave de cocô, depois que a garota veste o sutiã ainda rola uma cantada na rua!
É de chorar, mas é real: quando você é oficialmente mocinha, você também passa a ser oficialmente objetificada, oficialmente sexualizada. Os peitos, que deveriam ser tão corriqueiros e singelos, passam a ser um grande tabu. Aos olhos imundos da sociedade, mostrá-los é uma ofensa.
Basta abrir qualquer site de fofoca e digitar na busca “sutiã”, “seios” ou coisa que os valha. Pra quem não usa sutiã, esta é a pena:
Mas usar sutiã também não salva a alma de ninguém. É preciso usá-los com temor e sigilo para que seu nome não vá para a lista de condenadas:
Nunca tá bom, nunca estamos apropriadas o suficiente. Com ou sem sutiã, vamos virar churrasquinho no mármore do inferno. Essas reações nos ensinam a ter vergonha do nosso corpo, a nos esconder cada vez mais. Viramos caramujo em um tentativa de nos proteger do mundo selvagem de fora da concha.
Assim, a existência da opção de não usar sutiã vira um caso arquivado no fundo da gaveta. Mas a recente campanha “Free The Nipple” (em português, “liberte o mamilo”) veio justamente pra não deixar esse assunto morrer, pra lembrar que mamilo é tudo igual, só muda de endereço.
Tudo começou como um questionamento às políticas de imagem do Instagram, que não permitem seios femininos à mostra. Pessoas públicas e anônimas começaram a fazer postagens que trouxessem à tona o quão tosca e sexista é a distinção que a sociedade faz entre o mamilo feminino e masculino. Disseminar fotos de seios reais é também aumentar a representatividade com seios dos mais variados tipos, o que faz com que seja mais fácil aceitar e amar nossos peitinhos do jeito que eles são.
A foto a seguir, do Instagram da modelo Cara Delevingne, ilustra bem o propósito do “Free The Nipple”, mostrando um mamilo masculino “livre” ao lado de um feminino “censurado”, embora eles tenham a mesma constituição anatômica:
Willow Smith também apoiou a campanha pelo Twitter e chocou a grande mídia tradicional por ter “apenas 14 anos” e divulgar uma imagem “tão provocativa”. Tempestade em copo d’água: era apenas uma blusa com uma estampa de seios. E, mesmo que fossem os seios dela, mostrá-los de forma tão lúcida e consciente só demonstra, ao meu ver, um poder lindo sobre o próprio corpo.
É emocionante ver a tomada de consciência das mulheres sobre seus próprios corpos. Mas, do mesmo jeito que uma mulher pode guiar suas rédeas para os mamilos peladinhos, ela também pode decidir usar sutiã. É importante lembrar que isso deve ser uma opção, não uma imposição. De fato, essa opção não é socialmente aceita hoje, então todas devemos lutar por ela. Mas isso não significa que temos que fazer uma grande fogueira “sutiânica” e cair matando em todas as nossas irmãs que não conseguem ou, simplesmente, não querem libertar seus mamilos.
Para as meninas de seios grandes, que sentem dores e incômodos profundos quando estão sem sustentação: vocês realmente precisam de um porta-peitos.
Para as meninas com seios pequenos, ou para aquelas que encontram um prazer inigualável em chegar em casa e tirar o sutiã: convido vocês a pensar com carinho a libertar seus mamilos. É claro que é um exercício. Na primeira vez saindo sem sutiã na rua, você provavelmente vai se sentir que nem naqueles sonhos em que estamos peladas no meio de uma aula. Mas garanto que é questão de costume. Vai sem pressa, e todo apoio pra você!
Para quem se sente insegura com o assédio na escola e nas ruas, para aquelas que temem levar advertência no trabalho por não seguir o código de vestimenta: jamais se sintam mal ou “menos feministas” por continuar usando sutiã. Seu desconforto não é infundado. O machismo é ruim mesmo, e vocês têm todo direito de querer buscar segurança, o que quer que isso signifique pra você.
Só vamos lembrar que sacrificar nossos decotes para não sofrer com cantada na rua não resolve o problema do assédio, não corta o mal pela raiz. Por isso precisamos seguir lutando! Sutiã é opressão, sim, mas também é amigo do peito pra muitas. Liberdade não é impor o que se acha que é liberdade, porque o que vale pra uma pode não contemplar a outra. Liberdade que liberta libertadinho, mesmo, é aquela que nos permite fazer qualquer coisa, sem restrições. É como escrevi no meu caderno de rascunhos enquanto pensava nesse texto: “liberdade é ter noção, é não deixar de questionar a convenção.”
Julia Oliveira, atende por Juia, tem 22 anos e se mete em muitas coisas, mas não faz nada direito — o que tudo bem, porque ela só faz por prazer mesmo. Foi uma criança muito bem-sucedida e espera o mesmo para sua vida adulta: lançou o hit “Quem sabe” e o conto “A ursa bailarina”, grande sucesso entre familiares. Seu lema é “quanto pior, melhor”, frase que até consideraria tatuar se não tivesse dermatite atópica. Brincadeira, ela nunca faria essa tatuagem. Instagram: @ursabailarina
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