Se você já teve de passar pela escolha do seu curso superior, você já deve ter se deparado com aquela pergunta: o que me faz feliz? Ou então: o que me fará feliz? Neste mundo em que a felicidade é hipervalorizada, somos induzidos a acreditar que devemos encontrar uma profissão que nos trará prazer e felicidade e que nos deixará completos, vivendo uma vida cor de rosa de um filme hollywoodiano. Porém, no mundo real, nem tudo são rosas, né?
Muitas vezes, acabamos escolhendo um caminho para nossas vidas baseado no quanto ele nos possibilitará trabalhar com aquilo que amamos. Acredito que faz sentido não querer trabalhar num emprego que se distancia totalmente daquilo que temos como ideal, mas acho pertinente a gente se questionar: existe realmente uma profissão no mundo que poderá te satisfazer totalmente? E ainda mais pertinente: qual a lógica por trás de um mundo no qual obter a maior parte de nossa felicidade de um trabalho é a meta de vida de tantas pessoas?
Sublinho que eu também procurei ao longo da minha jornada fazer algo prazeroso na minha vida profissional – e não há nada de errado nisso! Claro que poder ter a escolha daquilo que iremos fazer não é um privilégio de todas nós, mas quando isso é possível, tendemos a colocar muita pressão em nós mesmas e criar expectativas além da conta, não é mesmo? Mas acredito que poder pensar sobre o inconsciente que reina na nossa sociedade é importantíssimo, principalmente na hora de pensar sobre a nossa carreira.
O mito do “faça aquilo que você ama e não terá de trabalhar um único dia na sua vida” é muito bonito na teoria (e aposto que na prática também!). Bom, a primeira coisa que eu me questiono ao ouvir essa frase é: será que de fato eu quero que minha vida seja tão pautada pela minha carreira? Será que não há uma supervalorização da vida profissional, em que somente somos completas quando bem-sucedidas profissionalmente, mesmo que isso signifique ter uma qualidade de vida baixa? O que pensar de uma sociedade que nos induz a acreditar que a realização profissional é tão relevante? Pode parecer sonhador demais, porém acredito que numa vida regida por uma carreira falta poesia, falta sentimento, falta tempo para construir quem você é. Talvez conhecer pessoas e não perguntar “o que elas fazem da vida” e esperar delas como resposta uma categoria, um curso de faculdade. Oras, da vida eu faço muitas coisas: eu viajo nas páginas de alguns livros, escuto pessoas na rua, gosto de tirar fotos de flores e de testar todos os temperos do mercado. Fico um pouco decepcionada com as pessoas que conheço quando logo me categorizam na mente delas baseando-se apenas no curso universitário que eu fiz. Numa lógica capitalista selvagem como a nossa, porém, isso faz todo sentido. Claro, viver à beira do pensamento que rege a vida em sociedade nunca será algo fácil, e nem acredito que seja uma chave para a felicidade. Porém, quando podemos nos questionar a respeito daquilo que valorizamos, podemos dar outra perspectiva às coisas, certo?
A pergunta que resta então é: como equilibrar uma profissão que seja satisfatoriamente boa para nós e que não apague os seres humanos que somos, que não nos transforme apenas em meros trabalhadores de uma categoria? A resposta para alguns será seguir um caminho diferente e mais moderno – como abrir um hostel ou ir trabalhar com animais numa reserva. Outros acabarão sufocados pelo sonho de ter uma carreira brilhante, e o prazer que encontrarão na sua profissão será apenas aquela cerveja no happy hour. Eu acredito que é, sim, possível que essa conta feche no final do mês, que haja um equilíbrio entre sentir prazer ao trabalhar sem deixar que isso seja o norte de nossa existência. E se você tem a sorte de poder pensar num emprego que te trará felicidade, você já ao menos usufrui do privilégio de poder escolher uma carreira mais satisfatória, né?
Lembrar que trabalhar não é algo prazeroso em tempo integral e que você terá muitos momentos difíceis e frustrantes na sua vida profissional pode ser uma chave para evitar grandes decepções no futuro. Afinal, por mais que você tenha em mente morar na praia e cuidar de tartarugas marinhas como ideal de vida, você terá de passar por momentos de burocracias chatas e extensas, você ficará fedendo a mar e peixe e passará pelos percalços mais inesperados. E tudo bem isso acontecer, porque não há profissão no mundo que te fará 100% feliz. Podemos sim fugir dessa peça que nos pregam quando afirmam que devemos fazer apenas aquilo que gostamos para nos sutentar.
Peço licença aqui para compartilhar uma anedota da minha curta existência de 25 anos: após ter passado dezoito anos sonhando em trabalhar com a natureza, me formei bióloga e ainda espero minha chance de conseguir um emprego que vai mais de acordo com meus ideais de carreira, de preferência enfiada no meio do mato na maior parte da semana. Isso ainda não aconteceu, mas o fato de ainda não ter alcançado essa meta não muda quem eu sou. Percebam que isso não é falhar, é ter a perspectiva de que há coisas mais importantes do que falar onde trabalho e o que eu faço da vida. Da vida, continuo a fazer as mesmas coisas que eu sempre fiz, e descobri que coentro em pó é meu tempero preferido.
Carol nasceu em 1991 e mora em São Paulo. Bióloga que queria ser de humanas, gosta de escrever sobre ciência mas mantém o caderninho de poemas sempre na bolsa.