Aproximadamente uma em cada cinco mulheres são vítimas de violência doméstica e familiar no Brasil. Proporcionalmente, 700 mil brasileiras permanecem sofrendo com agressões que acontecem dentro de suas próprias residências, praticadas por homens, geralmente seus parceiros. O Brasil é o sétimo, num ranking de 84 países, em taxas de feminicídio (homicídio contra mulheres).
Esses alarmantes e terríveis dados podem ser conferidos em muitas pesquisas estatísticas feitas por diversas entidades (os citados aqui foram retirados do Senado, de uma pesquisa feita em 2013). A violência doméstica é uma realidade para milhares de brasileiras, sejam elas de qualquer idade, classe social ou região do país. Estamos aqui para explicar melhor o que significa esse tipo de violência, como agir frente a ela e como combatê-la.
O que é violência doméstica e familiar?
A violência doméstica é todo tipo de violência física, moral, psicológica e sexual praticada contra a mulher no âmbito doméstico, ou seja, onde ela convive de forma permanente ou em relações afetivas íntimas, como um namoro atual ou até mesmo um relacionamento do passado. Geralmente é feita por meio de ações, mas a omissão que cause algum dano também pode ser caracterizada como um ato de violência doméstica. Então violência doméstica não é apenas violência física, e ao contrário do que muita gente pensa, nem somente aquela praticada dentro da casa da vítima.
É importante ressaltar que QUALQUER tipo de agressão à mulher cujo ator seja um homem de seu convívio, atual ou não, caracteriza violência doméstica e familiar. Essa definição foi dada no artigo 5º da Lei Maria da Penha.
Por que a violência contra a mulher é diferente?
Muitas pessoas se perguntam por que foi necessário criar uma lei que protegesse exclusivamente a mulher de violência doméstica. Como se os dados aqui apontados já não fossem justificativa suficiente, é preciso deixar evidente que a origem social da violência doméstica é o machismo, o que significa que ela é um tipo de violência em função de gênero.
Não é novidade para ninguém que vivemos em um mundo extremamente desigual para homens e mulheres, onde eles exercem total supremacia sobre elas, seja no mercado de trabalho, na mídia ou na política. E não poderia ser diferente em se tratando de relações pessoais. O machismo é responsável por criar e propagar uma cultura que faz os homens acreditarem que têm direito sobre os nossos corpos, sobretudo quando estamos em uma relação afetiva com eles. É tema recorrente nos textos da Capitolina o fato de que há uma relação de poder assimétrica entre os gêneros, em que o elo “fraco” (socialmente falando, pois somos todas muito fortes, sim!) somos nós, mulheres. Ou seja, sofremos violência simplesmente por sermos mulheres, por sermos tidas como seres inferiores aos homens e por eles acreditarem que devemos a eles submissão e obediência.
Diante desse contexto e, mais ainda, diante do fato concreto e apontado por inúmeras pesquisas, os principais alvos e as maiores vítimas de violência doméstica, quase que logicamente, são mulheres. Nesse sentido, após muitos anos de invisibilidade e de luta, a Lei Maria da Penha foi promulgada para caracterizar penalmente os atos de violência contra a mulher, tornando esse tipo de agressão um crime mais grave. Antes dessa lei, não havia nenhuma outra que protegia especificamente as mulheres que sofrem este tipo de violência, e você já deve ter percebido lendo esse texto que isso é muito necessário.
A lei é responsável por aplicar medidas que garantam mais segurança à mulher, como medidas preventivas e que impeçam que o agressor a agrida de novo, podendo ir à pena de um a três anos de prisão, sendo que, antes dessa lei, os casos costumavam ser penalizados com multas e pagamento de cestas básicas.
Quem foi Maria da Penha?
Maria da Penha Maia Fernandes foi uma das milhares de vítimas de violência doméstica. Em 1983 sofreu duas tentativas de homicídio, nas quais o agressor era seu próprio marido. Ele atirou com arma de fogo em suas costas enquanto ela dormia, tornando-a paraplégica e alguns meses depois tentou eletrocutá-la enquanto ela tomava banho.
Diante da impunidade à violência doméstica sofrida, Maria da Penha recorreu à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) para que a justiça brasileira fosse obrigada a punir, não somente seu agressor, mas todos os que praticassem violências semelhantes às mulheres no Brasil. Em 2001, o Estado brasileiro foi condenado pela Comissão por omissão e impunidade em relação a casos de violência contra a mulher, o que finalmente desencadeou o processo de criação da lei, que leva seu nome.
Com a lei, o que mudou?
Este mês, a Lei Maria da Penha completou oito anos. O balanço pode ter sido positivo por ter aumentado a visibilidade sobre este problema e também por ter promovido uma maior reflexão (dados apontam que a sociedade em geral está mais intolerante frente a casos de violência doméstica) e aportes jurídicos para as vítimas, mas há muito o que ser melhorado e conquistado.
Não é à toa que ainda hoje os dados permanecem alarmantes, e a cultura machista da violência e do estupro prosseguem agredindo muitas mulheres todos os dias. Além das medidas penais, é preciso lutar pela transformação social, o que só vem com medidas paralelas à aplicação da lei, como campanhas de conscientização e combate à violência doméstica.
Como reagir se eu for vítima de violência doméstica?
Se você foi ou está sendo alvo de agressões físicas, verbais ou sexuais por parte de alguém de seu convívio íntimo, procure se afastar dessa pessoa imediatamente e busque ajuda. Lembrando que não precisa ser necessariamente dentro de sua casa, nem algum parceiro atual: ex-namorado que te persegue na rua também está praticando violência doméstica e familiar. O mais importante é que você consiga garantir sua segurança para poder reagir.
LIGUE 180
O número corresponde à Central de Atendimento à Mulher, serviço gratuito de suporte e orientação a mulheres em situação de agressão e violência doméstica. Siga as orientações dadas.
VÁ À DELEGACIA
Dê preferência a Delegacias de Defesa da Mulher, que estão mais preparadas para lidar com esses casos. Se não for possível, encaminhe-se para a delegacia mais próxima.
SE NECESSÁRIO, DEIXE O LOCAL
Enquanto as autoridades não forem acionadas e as medidas de segurança garantidas na lei não forem colocadas em prática, é aconselhável mudar provisoriamente de casa, para garantir sua segurança e integridade.
NÃO SE CALE
Lembre-se sempre de que você é vítima e jamais culpada por estar sofrendo este tipo de violência. Pode ser difícil denunciar alguém tão próximo, mas é preciso reconhecer que um parceiro, que já foi querido, está sendo seu agressor.
BUSQUE AJUDA E APOIO
Nessas horas é importante encontrar acolhimento e segurança. Você não precisa passar por isso sozinha. Busque conforto com pessoas confiáveis e acompanhamento psicológico.
Como reagir se presenciei ou conheço alguém que sofre violência doméstica?
DENUNCIE
Ligando 180 ou comparecendo à delegacia mais próxima. Não se cale frente a casos de agressão e ajude a quebrar o silêncio das vítimas.
OFEREÇA AJUDA
Se for seguro para você, ofereça apoio à vítima, acompanhando-a a delegacias e juizados. Tente proporcionar abrigo seguro, pois ela pode precisar de algum local temporário para residir.
NÃO SE OMITA
Esqueça esse ditado velho de que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Se seu vizinho agride a esposa, se alguma tia aparece com hematomas, se alguma amiga estiver sendo assediada por um ex, aconselhe-as a denunciar o agressor ou faça você mesma a denúncia. Quebre o silêncio.
Gabriella Beira é formada em Relações Internacionais e, como qualquer "internacionalista" (é assim que se chama a pessoa que estuda RI), quer conhecer o mundo todo e, se possível, mudar o mundo. Gosta muito de falar sobre educação, cultura, sociedade e feminismo, mas seu hobby mesmo é jogar Plants vs Zombies. É impaciente, procrastinadora, irmã mais velha e aluna mediana.
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