No mundo em que a gente vive, é comum (mas não normal!) que garotas se sintam intimidadas em conversas e não deem suas opiniões, fiquem só quietinhas ouvindo. Essa situação pode parecer isolada, ou “só uma questão de timidez”, mas na verdade não é bem assim. O machismo opera de formas bem sutis para impedir as mulheres de falar, seja pela falta de representatividade, pela ausência de mulheres em espaços de poder, por reafirmar nas escolas que mulher não entende de ciência e que às mulheres não cabe a “racionalidade”, e sim unicamente as emoções. Existe toda uma cultura machista que organiza, em partes, nossas formas de agir e nos comportar: segundo ela, meninos podem tudo, mas as meninas só podem algumas coisas, e assim somos todos educados de formas distintas.
Além disso tudo, que colabora indiretamente com o recorrente sumiço de nossas vozes, outras coisas mais escancaradas também acontecem com a fala das garotas cotidianamente. É porque quando nós somos mulheres, nem todo mundo acha que o que temos a dizer importa. Isso se potencializa muito quando somos jovens. “Afinal de contas, onde já se viu adolescente que fale coisa que presta?”, pensam alguns. Eu, pelo menos, já vi várias adolescentes falando, pensando, articulando coisas incríveis — inclusive, as secundaristas que estão ocupando as escolas públicas de São Paulo estão dizendo muitas coisas importantíssimas, que todos nós, jovens e velhos, devemos ouvir!
Às vezes, esse desdém com as palavras e pensamentos das garotas vem de pessoas queridas, e é nessas horas que ficamos mais bravas e chateadas, porque ali pensávamos encontrar liberdade, apoio e incentivo, e não represálias ou limitações. Tem um exemplo que é, infelizmente, muito típico: para controlar emocionalmente as garotas, existem namorados que repetem exaustivamente a seguinte grosseria:
“Você não sabe de nada!”
ou, pior ainda,
“Você é burra!”
Por confiar nesses garotos e cair na cilada de que tudo o que fazem é para o nosso bem, às vezes a gente acaba acreditando nisso, e o resultado é o silêncio e a vergonha. Não importa se acham ou não que falar esse tipo de ofensa é para o nosso bem. Se escutarmos nossos próprios sentimentos com carinho e responsabilidade, saberemos o que é bom para nós mesmas e o que não é.
Mas a real nisso tudo é: você não é burra. Não é. Ponto final. É muito dolorido ver que a pessoa que supostamente ama a gente, no fundo, faz de tudo pra deixar a gente pra baixo. Digo supostamente porque acho que essa pessoa, seja seu amigo, namorado ou parente, precisa repensar o que significa amor… porque amor não tem nada a ver com humilhação. Amor tem (ou deveria ter) a ver com respeito, confiança, autonomia e companheirismo. Se a pessoa se recusa a dar valor para o que você pensa, ela não está sendo sua companheira.
Você não é burra. Eu também não, nenhuma de nós é. Se acreditarmos nisso, vamos acabar cada vez mais quietinhas, e todas nós temos muito o que falar — e a redação do ENEM deste ano foi um exemplo disso! Afinal de contas, quem disse que burrice existe?
Helena tem 20 anos e mora em São Paulo. É estudante de Letras, comunicadora, ilustradora, escritora e militante feminista. Na Capitolina, coordena a coluna de Literatura. Gosta de ver caixas de fotografias antigas e de fazer bolos de aniversário fora de época. Não gosta de chuva, nem de balada e nem do Michel Temer (ugh).